domingo, 9 de dezembro de 2012

Filósofo diz que deficiência do Bolsa Família é positiva


RICARDO MENDONÇA

FOLHA DE SÃO PAULO
EDITOR-ASSISTENTE DE "PODER"
Referência internacional em programas de transferência de renda, o filósofo belga Phillippe Van Parijs diz que um dos aspectos positivos do Bolsa Família advém de uma deficiência do programa.
Para ele, a falta de inspeção rigorosa para remover beneficiários torna o Bolsa Família mais parecido com um sistema de renda básica universal, modelo que ele julga ideal.
Ciceroneado pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), outro defensor histórico da proposta, Parijs esteve em São Paulo na semana passada, onde deu palestras na USP e na Fundação Getúlio Vargas.
Apu Gomes/Folhapress
O filófo Philippe Van Parijs, que deu palestra na USP e na FGV-SP na semana passada
O filófo Philippe Van Parijs, que deu palestra na USP e na FGV-SP na semana passada
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Folha - Que avaliação o senhor faz do Bolsa Família?
Parijs - Acho um programa muito importante, imprescindível. Não há dúvida sobre sua contribuição para reduzir a pobreza e a desigualdade. Acho muito bom que seja pago em dinheiro, não em vale alimentação. E acho uma boa ideia ter condicionantes de saúde e educação. As dificuldades são a focalização --encontrar milhões de famílias pobres-- e, principalmente, a regra que faz com que as pessoas saiam quando conseguem obter um pouco mais de dinheiro com suas próprias fontes.
Por que isso é um problema?
É um defeito dos programas desse tipo, pois cria dependência. Uma armadilha: se a pessoa encontra um emprego, é punida, precisa ser tirada do programa. Então muitos permanecem nessa situação de dependência. [...] Na angústia de perder o benefício, não faz nada, fica parada, não muda sua situação. Esse é o perigo. É por isso que acho importante o aspecto universal. Dizer: "olha, não há risco de perder, pode ir adiante, pode assumir um trabalho, mesmo que seja mal remunerado no início".
Mas não há evidência de que os inscritos no Bolsa Família deixem de procurar emprego.
É verdade. Mas no último congresso que participei, recebi a informação de que é muito pequeno o número de famílias que deixam o programa. Elas recebem o Bolsa Família porque estão nas condições de ingresso, mas depois não são visitadas para ver se arrumaram emprego. Dessa forma, o Bolsa Família já opera como um programa de renda básica universal. O que eu e outras pessoas como o senador Suplicy dizemos é que seria melhor ter um piso de renda que possa ser dado para todo mundo.
Todos?
Todos. Se a pessoa encontra um trabalho, ela mantém o benefício. Mas a forma como o Bolsa Família funciona de fato já é similar a isso, porque não tira a família se alguém acha trabalho, é formalizado e fica um pouco acima do patamar de ingresso. Isso é bom. [...] Essa disfunção do Bolsa Família é um elemento de dinamismo do programa com efeito positivo.
Alguém já adotou um programa como o senhor propõe: universal e incondicional?
No Alasca (EUA) há uma pequena renda básica, produto de um fundo originário do petróleo. O dinheiro é distribuído para todos. Cerca de US$ 2 mil por ano, para crianças, para idosos. Vem desde 1982. E funciona. Foi implantado por um governador republicano.
Qual seria o valor adequado para o Brasil?
Digo que o ideal é o nível máximo sustentável. Não só o possível, mas o sustentável de geração em geração. E na escala mais larga possível. É uma resposta genérica, de princípio.
O senhor diria que dinheiro é um direito humano?
Não gosto [dessa definição] porque há uma inflação dos direitos humanos. Seria uma retórica útil, mas prefiro formular as coisas em termos de uma sociedade justa. Uma sociedade na qual há liberdade real para viver. O ingresso universal [num programa de renda básica] é um dos elementos centrais nesse sentido. Uma boa educação, um bom sistema de saúde, um ambiente público agradável também são.

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