domingo, 9 de dezembro de 2012

Hamas completa 25 anos e consolida "Estado" em Gaza


Na fundação, organização islâmica era vista como opção moderada ao Fatah
Grupo radical celebra sua força e o trunfo de ter rachado isolamento imposto pelo bloqueio dos israelenses a Gaza
MARCELO NINIO - Folha de São PauloENVIADO ESPECIAL A GAZAA modesta casa com teto de zinco, espremida num beco do bairro de Sabra, na cidade de Gaza, passaria despercebida não fosse a pequena placa: "Aqui viveu o mártir, Ahmed Yassin".
Convertida em museu, a casa é o berço do grupo radical Hamas, fundado por Yassin em 1987, e virou ícone do quase-Estado gerido pelos islamitas desde que tomaram o controle de Gaza, em 2007.
Exibida numa vitrine, por onde costumam passar excursões de escolas, está a cadeira de rodas retorcida em que o xeque paraplégico estava ao ser morto por um míssil israelense, em 2004.
Depois de sair cantando vitória do segundo grande confronto com Israel em dois anos, o Hamas completa 25 anos de uma trajetória sangrenta, que o levou do pequeno centro beneficente criado por Yassin a governo.
Escondidos em bunkers durante a ofensiva, seus líderes não perderam nenhuma chance de colher os louros da "vitória", apesar dos 160 mortos e dos danos causados.
Milhares de pessoas saudaram ontem o líder do grupo, Khaled Meshal. Sua visita a Gaza, após 45 anos no exílio, foi o ponto alto da festa pelo aniversário. "A Palestina é nossa do rio ao mar, do sul ao norte. Não cederemos nem uma polegada", disse.
O governo israelense debocha das comemorações, afirmando que elas ocultam o duro golpe sofrido pelo Hamas em seu poderio militar.
Politicamente, porém, o Hamas chega aos 25 anos mais forte do que nunca, com o governo consolidado em Gaza e o trunfo de ter rachado o isolamento imposto pelo bloqueio israelense.
Uma caravana de chanceleres árabes visitou Gaza durante a ofensiva, aproveitando a abertura da fronteira com o Egito -aliado natural do Hamas desde a revolução que levou a Irmandade Muçulmana ao poder.
"A mudança é dramática", afirmou à Folha um dos líderes do grupo, Mahmoud al-Zahar, falando da queda do ditador egípcio Hosni Mubarak, inimigo declarado da Irmandade e de seus discípulos, como o Hamas.
Zahar foi um dos fundadores do grupo, que teve origem no Centro Islâmico criado por Yassin nos anos 70. Por quase 20 anos, o centro dedicou-se a ações sociais e ao ensino do islã e chegou a receber fundos de Israel, que na época via em Yassin uma alternativa moderada ao nacionalismo armado de Iasser Arafat.
No livro "Conhecer o Hamas", o jornalista israelense Shlomi Eldar conta em detalhes a história do grupo e os erros cometidos por Israel.
"Um oficial israelense me disse: o Hamas foi construído pelos fracassos de Israel", contou Eldar à Folha.
Com 20 anos de experiência em Gaza, Eldar diz que o Hamas começou com ambições modestas. Mas o discurso radical que prega o fim de Israel já estava em sua carta fundadora, de 1987, que permanece intocada até hoje.
Era o começo da primeira intifada (revolta palestina), lembra Eldar, e o Hamas carregou no ódio para afastar suspeitas de que colaborava com o inimigo por ter recebido dinheiro de Israel.
Sem deixar de lado a ação beneficente, o grupo logo criou um braço militar que cometeria os piores atentados terroristas contra Israel, com centenas de mortos.
A vitória na eleição de 2006 surpreendeu os próprios líderes do Hamas. Já no ano seguinte, porém, eles expulsaram o Fatah após um violento golpe e assumiram o controle de Gaza, passando a driblar o bloqueio econômico com uma vasta rede de túneis na fronteira egípcia.
Para os opositores, o cerco é duplo. O Hamas não tolera dissidências e impôs um regime cada vez mais islâmico.
A origem humilde contrasta com a opulência que alguns membros passaram a exibir nos últimos anos, com carrões último tipo e mansões que destoam na pobreza de Gaza. "Dias antes da ofensiva israelense houve um raro protesto contra o Hamas", diz Khalil Shahin, ativista de direitos humanos. "A guerra salvou o seu prestígio."

    'Reconhecimento da ONU não tem valor', afirma fundador do Hamas
    Em entrevista à Folha, Mahmoud al Zahar diz que apenas a resistência armada terá sucesso
    Segundo Zahar, grupo islâmico espera uma nova investida de Israel e promete responder com ainda mais força
    Suhaib Salem/Reuters
    Passeata em Gaza celebra aniversário de 25 anos do Hamas e visita de Khaled Meshal, seu líder político exilado no Cairo
    Passeata em Gaza celebra aniversário de 25 anos do Hamas e visita de Khaled Meshal, seu líder político exilado no Cairo
    DO ENVIADO A GAZAO médico palestino Mahmoud al Zahar, um dos fundadores do Hamas, não é homem de concessões.
    Membro da alta cúpula do grupo islâmico, ele acha que o recente reconhecimento da Palestina como Estado observador na ONU não vale nada e que os 25 anos do Hamas provaram que apenas a resistência armada levará à independência palestina.
    Cirurgião formado no Cairo, Zahar, 67, escapou de duas tentativas israelenses de assassinato, que custaram a vida de dois de seus filhos.
    Uma delas foi em sua casa pintada de verde -a cor do Hamas-, no centro de Gaza, onde falou à Folha.
    (MARCELO NINIO)
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    Folha - O sr. comemorou a vitória palestina na ONU?
    Mahmoud al Zahar - Não importa o que a ONU aceita. O reconhecimento da Palestina em 22% do território por apenas 40% do povo palestino é inaceitável. A ANP (Autoridade Nacional Palestina) não representa os palestinos.
    Se esse processo ocorresse dentro dos princípios básicos dos palestinos, nós aceitaríamos. Essas condições não foram atendidas, a começar pelo território de 1948.
    O reconhecimento da ONU não tem nenhum valor?
    Nenhum. A resolução não pode ser colocada em prática. Por muitos anos tentamos a resistência pacífica. Recorremos às ações militares porque ela fracassou. O Fatah negocia com Israel desde 1991 e não conseguiu nada.
    O repúdio árabe ao plano de partilha da ONU, de 1947, foi um erro histórico?
    Não, porque o plano deu menos que 50% do território aos palestinos. Mesmo se a partilha fosse aceita hoje, teria que ser condicional, sem o reconhecimento de Israel e sem abrir mão de nosso direito a toda a Palestina.
    Qual o seu balanço desses 25 anos do Hamas?
    Representamos a posição real do povo palestino. Na [última] ofensiva asseguramos que Israel pagaria caro por uma invasão. Acho que a mensagem foi entendida.
    É hora de se concentrar na trégua e usá-la para dialogar ou se preparar para a guerra?
    Não confiamos em Israel. Estamos esperando uma nova ofensiva israelense, mas dessa vez nossa reação será bem mais forte. Se houver resistência [armada] na Cisjordânia, acredite, Israel também sairá de lá. O problema não é só Israel, mas a ANP (Autoridade Nacional Palestina), que acredita que é possível chegar à solução por meio de negociações.
    O Hamas planeja uma terceira intifada na Cisjordânia?
    A população da Cisjordânia tem o direito de se defender com os meios possíveis.

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