Estado de Minas - 20/04/2013
Em 1864, quatro anos depois de ter prestado
juramento solene como princesa imperial do Brasil perante as câmaras, no
Rio de Janeiro, conforme previa a Constituição do Império, a herdeira
do trono do Brasil, a princesa Isabel, então com 18 anos, se unia, meio a
grandes festanças, ao príncipe francês Gastão de Orléans, o conde d’Eu,
de 22. Apesar de ter sido um casamento arranjado por interesses
políticos, como era comum entre a nobreza da época, os dois logo se
apaixonaram. Pelo menos é o que garante a historiadora Mary del Priore.
Durante anos ela investigou a trajetória do casal, desde a dificuldade
inicial que a princesa teve para engravidar até a participação do seu
amado na Guerra do Paraguai, além de fatos marcantes da vida brasileira
do período, como a abolição da escravidão – por ato da princesa – e a
proclamação da República. O resultado é O castelo de papel, livro que
foi lançado terça-feira em Belo Horizonte. A autora, especialista em
história narrativa e autora de livros como Carne e sangue e O príncipe
maldito, conversou com o Pensar sobre a obra.
Por que você acha
que o casamento do conde d’Eu com a princesa Isabel, arranjado, por
conveniência política, acabou dando certo?
Foi um casamento
aparentemente muito feliz. O casal se adorava e levava uma vida
burguesa: “A cada dia agradeço a mais e mais a Deus tudo o que encontrei
em meu casamento”, resumia Gastão. Enquanto o marido preparava sua
partida para a Guerra do Paraguai, Isabel escreveu ao pai queixando-se
do quanto custaria separar-se de seu “excelente e carinhoso Gastão”.
Vestido de voluntário da pátria, parecia-lhe “encantador”. Por cartas,
enviava-lhe violetas molhadas de lágrimas. Sem rodeios, dizia-lhe que
sentia falta de suas carícias. Beijava-o de todo o coração. Quando
Gastão foi instado por dom Pedro a substituir Caxias, Isabel sofreu mais
ainda. Na noite de sábado, 20 de fevereiro de 1869, em que o marido
recebeu a proposta do imperador para ir ao Paraguai, ela escreveu à mãe,
reclamando. Quanto a dom Pedro, Isabel acusou-o de querer matar seu
marido, pois Gastão estava debilitado e o médico recomendara que ele não
pegasse nem chuva nem sereno. Os negócios da guerra cegavam o pai –
dizia. Não queria Gastão fazendo o papel de “capitão do mato”, caçando
López. E, ameaçava, iria segui-lo até o inferno!
Questões
amorosas à parte, no livro percebe-se também que a princesa Isabel
cresceu longe das questões políticas e parecia não se interessar por
elas. Você acha que, se a República não tivesse sido proclamada e ela
viesse a substituir o pai, teria condições de governar o Brasil?
Toda
palavra repetida adquire o valor de uma advertência. Quantas vezes
Isabel reiterou: quem lhe dera não participar de atos oficiais. Que seu
pai viesse logo “arredá-la de suas responsabilidades”. Que não tinha
ambição. Dom Pedro, por outro lado, tinha uma relação ambivalente com
Gastão, a quem prejudicou em vários momentos, sobretudo durante a Guerra
do Paraguai. Nunca fez o casal participar de questões políticas e os
mantinha a uma boa distância das decisões ministeriais ou dos problemas
que o país enfrentava. Várias cartas de Gastão ao seu pai, conde de
Nemours, revelam o mutismo e o total alheamento em que dom Pedro os
deixava. Isabel chegou a esfriar as relações com o genitor depois da
morte de sua primeira filha, Luíza Vitória. Ela queria fazer o parto na
Europa, onde se encontrava, e dom Pedro obrigou o casal a voltar ao
Brasil. Um mau parto a fez perder a criança. No aniversário de morte de
Luíza Vitória ele quis ir visitá-la. Ela escreveu a Gastão: “Longe de me
distrair, isso só vai me incomodar. Por isso, tu podes dizer a ele que
eu prefiro passar esses dias sozinha, com a minha tristeza. (...) eu lhe
peço que, em todo caso, não venha a Petrópolis nesses dias”. Para não
haver dúvidas, a princesa escreveu à mãe. Que não lhe aparecessem entre
26 e 28 de julho. Alguém teve que pagar pela morte da menina. Há vários
episódios, bastante documentados por biógrafos e agora reforçados por
minha pesquisa, em que se revela o pouco interesse de dom Pedro em
preparar o casal para o Terceiro Império.
Falta de interesse do
imperador em preparar a filha para governar, Guerra do Paraguai,
libertação dos escravos. O que mais você acha que contribuiu para que o
Terceiro Império não fosse instituído?
Inúmeros fatores. No
livro, lembro que nos quartéis remexia-se a “questão militar”. Grupos
manipulavam a candidatura do “novo Pedro”; o neto querido de dom Pedro e
filho mais velho de Leopoldina. Vereadores gaúchos propuseram um
plebiscito nacional para apurar a forma de governo que se desejava para o
Brasil: império ou república? Não queriam uma sucessora “obcecada por
educação jesuítica”. A proposta, aprovada por unanimidade no Rio Grande
do Sul, contaminou São Paulo e a Corte. Temerosos que a princesa
ganhasse a estima do povo, os radicais antimonárquicos começaram a se
mexer. Diziam que ela só se interessava pela abolição para não perder a
coroa. Apesar das centenas de cartas e telegramas de congratulações que
receberam, ele sabia: crescia a pressão republicana. Aumentavam as
propostas sobre um plebiscito sobre nova forma de governo. A abolição
não diminuiu a antipatia à monarquia. O verdadeiro debate girava em
torno da indenização aos proprietários de cativos. Até Gastão
considerava que abolição sem ela era “passo precipitado”. Os
republicanos moderados a reclamavam para não perder apoio dos
fazendeiros. Isabel que não influiu na questão, tinha opinião: a medida
não era conveniente nem justa, pois recairia, em forma de impostos,
sobre quem não tinha nada a ver. E o país não possuía recursos. Seria
uma solução ilusória.
O que mais contribuiu para que a manutenção do império se tornasse impossível?
Também
foi época em que as mudanças estavam no ar. As chamadas “questões
sociais” apaixonavam. Lia-se Proudhon, teórico do anarquismo, e alguns
pioneiros já mencionavam “Carlos Marx”. A atividade dos moços girava em
torno da abolição e da reforma política, pelo estabelecimento da
República. Desprezavam o “Pedro Banana”. Desejavam fazer “tábua rasa das
crenças avoengas”. Rui Barbosa, Olavo Bilac e Castro Alves eram
considerados heróis. Louvavam-se os salvadores da pátria, egressos da
Guerra do Paraguai, como Caxias, Osório e Floriano Peixoto. Cultuava-se a
farda. Os jovens dividiam-se em “falanges”: a de Tobias Barreto, a de
Rui, a de José Mariano. Muitos católicos diziam-se “tocados de
influências positivistas”. Outros, anticlericais, proclamavam que “o
Brasil só seria livre quando se enforcasse o último príncipe na tripa do
último padre”. O espiritismo entrava na moda. Se a vida era eterna, por
que os mortos não podiam se comunicar com os vivos? Feiticeiros
africanos ou seus descendentes eram consultados por pessoas de
sociedade. Colégios protestantes e missionários americanos disputavam
clientela com os de religiosos franceses ou belgas. Até mesmo homens que
conviviam com o imperador, como o visconde do Rio Branco, estavam
“convencidos da aberração política e militar das velhas monarquias” –
contou seu filho. A surpresa do triunfo foi tão grande para os
revolucionários quanto para a Europa, que acompanhava a situação. O
imperador, assim como os altos dignitários da monarquia, foi cúmplice
inconsciente da derrocada. Isso, pois o edifício imperial foi mal
construído. Era uma monarquia essencialmente burguesa, espécie de
“planta exótica dos trópicos”.
Nem todo o mito que se tentou
criar em torno de Isabel, depois de libertos os escravos, ajudou a
manter a família imperial no poder?
Depois da abolição
estabeleceu-se um consenso: a assinatura da Lei Áurea foi resultado da
ação direta da princesa. O jornalista Viriato Correa, que, anos depois
da proclamação da República, cunhou o termo isabelismo, explicava: não
servia para endeusar a Redentora. Manipulado pelos republicanos, servia
sim para enterrar a possibilidade de vê-la coroada. A abolição foi a pá
de cal para enterrar a monarquia. A libertação dos escravos trouxe o
apoio da “aristocracia territorial”, como então se chamavam os
conservadores, ex-proprietários de escravos, à República. O movimento
republicano, por seu lado, já tinha o apoio da mocidade das escolas, de
parte da intelectualidade e da maioria das Forças Armadas devido à
Questão Militar. Posteriormente, foi apropriado pelos monarquistas e os
conservadores decepcionados com a República. Neste mesmo ano de 1889, as
comemorações da abolição foram incrementadas. Bispos celebraram missas
campais. Os Te Deums encheram os ares. O Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro cunhou uma medalha especial para oferecer ao
imperador e sua filha. A tentativa era de imortalizar a data: “A
história lhe reserva página honrosa”. Mas as homenagens à “ínclita
princesa”, seu pai e marido, “promotor da abolição no Paraguai”, não
foram suficientes para garantir longevidade à Coroa brasileira. Povo e
políticos pagaram seu gesto não com reconhecimento. Mas com o que a
família imperial entendeu como ingratidão. De nada adiantou o esforço
para identificar a causa abolicionista com o Terceiro Reinado, e a
República acabou sendo proclamada. No que tange à princesa Isabel e ao
conde d’Eu, creio que eles, dentro do mundo que conseguiram criar ao seu
redor, foram felizes, mesmo durante o exílio.
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