sábado, 20 de abril de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Caçada nos EUA
Uma das mais ricas cidades dos Estados Unidos parou com a caçada a um dos suspeitos de cometer o atentado de Boston, imigrantes islâmicos de origem tchetchena.
A maioria dos 4,6 milhões de moradores da metrópole aceitou algo entre uma ordem e um pedido do governador do Estado de Massachusetts. Na TV, Deval Patrick disse aos cidadãos que se trancassem em casa, abrindo portas apenas para policiais fardados. Predominava o medo, em muitos casos pânico, de um homem-bomba solto pela cidade.
Os americanos atribuíram a colaboração impressionante a sua disciplina, a seu espírito comunitário e a uma tentativa de contribuir para uma campanha contra a violência e o terrorismo.
Durante toda a semana passada, diariamente, os americanos de Boston e cidades vizinhas realizaram várias cerimônias oficiais e privadas para repudiar os atentados e relembrar os mortos. A violência do terrorismo tornou-se um trauma nacional, assim como as chacinas perpetradas por gente armada de fuzis adquiridos no comércio.
Por uma coincidência lúgubre, na semana passada o trauma do terrorismo como que abafou a derrota de uma proposta modesta de evitar esses outros massacres, o terror doméstico das chacinas.
Na quarta-feira, minoria composta de 41 senadores republicanos e três democratas impediu que fosse adiante a apreciação de uma lei que aperfeiçoaria a investigação dos antecedentes dos consumidores de armas e proibiria a venda de armas de guerra no varejo.
No dia da caçada humana em Boston, políticos conservadores se aproveitavam da comoção para fazer campanha contra projetos de leis supostamente "esquerdistas" de Obama: legalizar imigrantes abre brechas para terroristas; armas permitem que cidadãos se defendam também de atentados.
Ao lado de parentes das 20 crianças e seis adultos chacinados em dezembro na escola de Sandy Hook, o presidente Barack Obama reagiu à decisão da minoria parlamentar contra regulamentar o comércio de armas: "Foi um dia bem vergonhoso em Washington".
Foi uma semana peculiar nos EUA, sombria pelas mortes, impressionante pela reação maciça ao morticínio do terror e perturbadora pela tolerância da democracia mais tradicional do mundo diante das chacinas domésticas.

    EDITORIAIS
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    Contraordem chavista
    Autoridade eleitoral da Venezuela cede e admite recontagem dos votos, em rara concessão na escalada autoritária do regime
    O regime chavista na Venezuela se sustentou na neutralização paulatina dos dispositivos de controle e crítica do poder presidencial, no gasto social maciço com recursos abundantes do petróleo e na realização periódica de votações plebiscitárias para emprestar ao caudilho um verniz democrático.
    A morte de Hugo Chávez e a eleição contestada de seu sucessor evidenciam a corrosão desses três pilares. O recurso à força bruta, ao peso dos militares e ao silenciamento explícito da oposição, que antes parecia desnecessário, agora se insinua de modo um tanto preocupante.
    Enquanto Nicolás Maduro, o herdeiro declarado eleito, alude às mais inverossímeis tramas conspiratórias, Diosdado Cabello, presidente do Congresso, flerta com a linha dura. Cassou a palavra e destituiu de comissões os parlamentares da oposição, que ocupa 46% das cadeiras, enquanto não reconhecerem a vitória de Maduro.
    Cabello é o governista mais próximo dos militares, mas foi preterido na disputa interna para suceder a Chávez. É cedo para saber se aproveita a situação para se tornar a eminência parda de um Maduro enfraquecido, ou se almeja emergir como alternativa numa eventual, e arriscada, guinada cesarista.
    Uma decisão alentadora, contudo, surgiu da autoridade eleitoral da Venezuela. Ainda que dominado por chavistas, o órgão voltou atrás e decidiu recontar os 46% de votos ainda não auditados da eleição de domingo. Atende, assim, a uma justa demanda do oposicionista derrotado por 1,8 ponto percentual, Henrique Capriles.
    Tenha ou não havido fraude --e essa dúvida é um ônus de todo regime autoritário--, parece improvável que a auditoria altere o resultado. Mas a observância de ritos minimamente aceitáveis de respeito ao contraditório é importante para a Venezuela, bem como para a estabilidade política regional.
    Mais uma vez, os presidentes sul-americanos amigos do chavismo se precipitaram no socorro a um membro do clube em apuros. Reunião de emergência no Peru reconheceu prontamente a legitimidade de Maduro e defendeu o óbvio --que toda contestação deveria ser resolvida dentro do ordenamento institucional venezuelano.
    É um posicionamento aceitável, embora o reconhecimento pleno devesse aguardar a decantação dos fatos. Salta aos olhos que remédio totalmente oposto foi ministrado ao Paraguai, onde um presidente foi destituído pela via constitucional (ainda que se possa criticar o açodamento com que se restringiu o direito de defesa).
    Explica-se o casuísmo: em Assunção se cassou um líder próximo do chavismo, Fernando Lugo.
    Que a presidente Dilma Rousseff tenha participado desses episódios --e o Brasil, sob seu governo, tenha posto de lado uma tradição ponderada de diplomacia regional--, eis um fato a lamentar.

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