sábado, 20 de abril de 2013

Walter Ceneviva - Entre o tempo, a lei e os 93%

folha de são paulo

DE SÃO PAULO

Muitos seres humanos acreditam que tudo tem começo e fim. As religiões atribuem o começo a Deus. Lavoisier, o pai da química moderna (1743-1794), ficou firme no polo oposto. Afirmou que na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Acontece, porém, que o ser humano reconhece a fatalidade na ida do nascimento à morte. As leis apontam nesse sentido.
Das frações de um segundo ao encadeamento dos séculos, firmou-se o liame da existência e de sua duração. Dele nasceu o calendário, em variedades que vão do chinês ao árabe e ao romano, do judaico ao cristão, entre outros.
Pesquisa Datafolha desta semana confirmou a relação entre tempo e variáveis jurídicas.
Indicou que 93% das pessoas ouvidas se manifestaram favoráveis à redução da idade mínima de 18 para 16 anos em que punição criminal pode ser imposta.
O início da aplicação da norma, a contar da duração da vida, existe em todo o planeta, com critérios variados. A consulta não cuidou da duração da pena, mas da idade do agente em que ela será aplicável.
Os consultados estão convencidos de que, reduzido o momento inicial da punibilidade, o combate ao crime será mais eficaz. Não mais nem menos. Ocorre que o caminho da simples redução não tem fim. Continuando os crimes, a idade será reduzida para 14? Dez?
É certo que o direito não encontrou dado melhor que o tempo para relacionar condutas ou fatos ilícitos, incluída a idade do acusado.
A Constituição brasileira faz 50 referências ao tempo ou a seus derivados para aplicação aos atos que menciona, criminosos ou não. Dá o prazo ao indicar os termos inicial e final da duração da vida ou de seus espaços, conforme a idade da pessoa envolvida.
Prazo, assim, é espaço de tempo que passou da simples convenção para ser base de leis, que aceita ou nega a legalidade de ações humanas, mesmo para sua apuração.
No processo, a duração dos fatos (isto é, o espaço entre o início e o fim) é fundamental. Situa as referências formais e as define em face do direito. No Código Penal, a idade (tempo de duração da vida) admite o enquadramento do autor do delito no processo condenatório ou o exclui integralmente ou em parte, com limites de idade.
A duração convencional ou legal é o tempo. Chega à realidade concreta quando atinge a hora de a transpor para o processo judicial.
Quando se veem reiteradas propostas de diminuição da idade do agente para punir uma ou mais de uma conduta delituosa de jovens (18 anos? 16 ou menos?), fala-se muito na consciência do acusado quanto à criminalidade dos atos. Consciência da criminalidade é, porém, incompatível com a fixação uniforme para todos os possíveis agentes.
Certamente não é remédio promover a contenção dos delitos. Nesse perfil, a diminuição da idade é limitadíssima, sobretudo quando se pensa nas diferenças socioeconômicas dos possíveis envolvidos.
Plenitude de consciência coincide com duração da vida, em senso estrito. O tempo (a duração) é critério para determinar a legalidade ou a ilegalidade de condutas e penas.
Usar o tempo para ligar punição criminal e duração variável da existência do acusado é o fracasso antecipado, até pelo ridículo que seria falar em mais redução, se a resposta vitoriosa fosse aceita.
Walter Ceneviva
Walter Ceneviva é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. Assina a coluna Letras Jurídicas, publicada em "Cotidiano" há quase 30 anos. Trata, com cuidado técnico, mas em linguagem acessível, de assuntos de interesse para a área do direito. Escreve aos sábados na versão impressa de "Cotidiano".

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