ANÁLISE - BOMBAS EM BOSTON
Luta dos radicais separatistas sempre foi direcionado contra a Rússia; islã é um instrumento de identidade
A tese de ação coordenada se enfraquece sem a reivindicação de autoria
A divulgação pelas autoridades de que eram de origem tchetchena os irmãos acusados pelos ataques em Boston disparou um gatilho cognitivo óbvio na mídia ocidental: "Tchetchênia? Aquele lugar cheio de terroristas islâmicos? Hum, suspeito."
É possível até que durante a leitura destas linhas já esteja estabelecido que os irmãos Tsarnaev sejam membros de uma célula terrorista de um grupo islâmico do norte do Cáucaso, atacando supostos infiéis e buscando renovar o interesse por sua causa: a separação da Rússia.
Se isso acontecer, contudo, será uma novidade.
A violência tchetchena é de orientação separatista e sempre teve como alvo a Rússia. O islamismo é mais um instrumento de identidade --tchetchenos que lutaram contra a invasão soviética do Afeganistão o fizeram por motivos nacionalistas de combate ao inimigo comum, não por zelo religioso.
Claro que há o fato de que a rede terrorista Al Qaeda financia grupos no Cáucaso russo, e em tese todos lutam contra o que o Ocidente, EUA como farol, representa.
Mas a região está sob domínio russo há mais de 200 anos, por sua posição estratégica na encruzilhada entre Ásia e Europa e pelo acesso aos campos de petróleo e gás da bacia do mar Cáspio.
Sob o ditador Josef Stálin, parte da população tchetchena foi deportada para outros cantos distantes da União Soviética, acusada de ter colaborado com os invasores nazistas na Segunda Guerra.
Com o colapso do regime comunista, na década de 90, o separatismo começou a florescer. O presidente russo Boris Ieltsin lançou uma guerra na Tchetchênia em 1994 só para acabar humilhado em um cessar-fogo.
Em 1999, atentados em Moscou levaram o governo do então premiê Vladimir Putin a uma ofensiva mais efetiva, esmagando os separatistas e instalando um governo títere até hoje no poder.
Ações terroristas de impacto se sucederam nos anos 2000. A mais famosa ocorreu numa escola de Beslan, na Ossétia do Norte, resultando na morte de mais de 330 pessoas --186 delas crianças.
A eliminação de líderes diluiu a militância pelos vizinhos, como a Inguchétia e o Daguestão. Nota de rodapé: a página do Facebook de um dos irmãos sugere que ele estudou entre 1999 e 2001 na capital do Daguestão, Makhatchkala, justamente no auge da repressão de Moscou. Essa região forneceu mulheres-bomba para atacar o metrô moscovita em 2010.
O fato de a autoria não ter sido reivindicada em Boston dificulta a crença em ação coordenada. Tudo, de uma briga de bar a uma maluquice inspirada pela causa dos antepassados, pode ter gerado a tragédia. Ou mesmo terrorismo islâmico, embora isso pareça difícil.
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