ZERO HORA - 24/02/2013
Não mais nos reunimos em praça pública para ver a cabeça dos culpados
rolar ou pender. Mas, sempre que possível, fazemos isso no noticiário e,
principalmente, nos cinemas. Nos antigos filmes de caubói, um catártico
tiroteio garantia a punição dos bandidos e a saída incólume do herói.
Duros de matar, esses homens a cavalo foram logo substituídos por
policiais igualmente solitários. Final feliz requer o chão coberto de
corpos dos maus. Em Django Livre, como já fizera em Bastardos Inglórios e
em Kill Bill, o diretor Quentin Tarantino arma seu roteiro a partir da
nossa sede de vingança contra escravocratas, nazistas e machistas
violentos.
Sou uma vingativa confessa, quero ver sangue. Mas fique tranquilo,
no sentido figurado. Nada de pena de morte e torturas. Sei que a
civilização começou quando alguém abriu mão da retaliação. Na vida real,
a morte só deve ocorrer quando inevitável. Porém exorcizo minhas
pendências na ficção. Da II Guerra, onde meus antepassados e parentes
foram assassinados, gosto de lembrar que existiu o Levante do Gueto de
Varsóvia. Como eles, se fosse para morrer, gostaria de levar pelo menos
um nazista comigo. Na fantasia sempre somos mais corajosos.
A vingança, seja histórica ou pessoal, funciona de forma parecida
com o fim litigioso de um relacionamento amoroso. Sejamos sinceros, não
queremos que o outro seja feliz, lhe desejamos a morte lenta e o
ostracismo. Todo mundo sabe que odiar é outra forma de amar, às avessas,
que o oposto do amor é a indiferença, que o melhor troco é ignorar,
genuinamente. Mas isso leva muito tempo para ser possível e mesmo assim
sofremos recaídas. A dor deixa cicatrizes e elas são lembretes lavrados
na pele, para sempre.
Os protagonistas dos filmes de Tarantino carregam essa insígnia,
assim como os judeus tatuados, os escravos marcados, o mesmo ocorre com o
maior vilão nazista em Bastardos. Há coisas que não são passíveis de um
desfecho elegante, como seria a superação. Nem tudo se consegue
esquecer, mesmo porque precisamos garantir que nunca se repita.
Questiona-se a cantilena de afrodescendentes e judeus que estão
sempre na defesa e não perdoam os maus-tratos sofridos. Em parte, ela é
necessária: preconceitos estão sempre ressurgindo, é preciso ficar em
guarda. Porém, nem os descendentes de alemães nem os brancos da
atualidade têm culpa pelos absurdos cometidos pelos seus antepassados.
O que fazer, então, com os restos desse ódio vingativo? Tratá-los
com o mesmo preconceito que se sofreu seria indigno, igualmente
vergonhoso. Mas como conviver com as cicatrizes que latejam, a mágoa que
espreita pronta para pular sobre nós, a autocomiseração, que pode não
nos orgulhar, mas compõe nosso lado sombrio?
Depurá-lo no cinema é uma forma de eliminar o excesso. É uma sangria
do despeito, da tristeza, que permite manter o fluxo da civilidade. Não
somos, nem nunca seremos, totalmente civilizados. Potencialmente, somos
tanto algozes quanto vítimas vingativas. Haja matinê!
*PSICANALISTA
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