MARTA SUPLICY
O "soft power" brasileiro
O Brasil é um país sem poder bélico, mas está descobrindo uma outra forma de inserção no mundo, através das suas ideias, cultura e práticas
Londres conseguiu, no período da Olimpíada, construir uma imagem bastante positiva da Inglaterra. Trabalha agora para manter e ampliar esta conquista. Foca nas parcerias e presença cultural que possam gerar este tipo de dividendo no mundo.
Assim como as pessoas desenvolvem -às vezes com muito esforço- uma forma de expressão e conexão com o mundo, os países também constroem imagem e cara.
Podem provocar simpatia, implicância, admiração, desinteresse ou repulsa. No caso de países, esses sentimentos são formados pela atratividade de sua cultura, ideais e práticas políticas externas e internas. Quando essas políticas aparecem como legítimas aos olhos dos outros, o "soft power" daquele país cresce.
Além de suas capacidades militares e técnicas mesuráveis e visíveis, os países, cada vez mais, se esforçam para mostrar qualidades imateriais -veja a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) premiando o frevo como patrimônio imaterial.
Isso se chama "soft power". Se for suficientemente atraente, funcionará como uma luz que conquistará visitantes, investidores e sonhadores. Quando o conjunto é de tal monta consistente, pode exercer extraordinário poder (soft power) como Hollywood em relação aos EUA, a moda e a gastronomia na França, os monumentos históricos da humanidade na Itália e na Grécia...
Trata-se, porém, muito mais que cinema, comida ou monumentos. São valores, posições históricas, políticas externas e autoridade moral que, no conjunto, geram admirações e sonhos.
Com a projeção internacional do Brasil como nova potência econômica agregada ao já admirados futebol e Carnaval mais o interesse despertado por um país que diminuiu a desigualdade social ao eleger um operário para presidente e logo após uma mulher, temos a oportunidade única de fortalecer nosso "soft power" no cenário internacional.
Esse conceito foi criado por Joseph Nye, professor da Universidade Harvard, que define a capacidade de um país influenciar relações internacionais, exercer um papel de encantamento e sedução através de qualidades "softs", em especial manifestações culturais fortes e diversas. O termo se contrapõe ao poder militar chamado "hard power".
Países que já entenderam este "poder" investiram na transmissão de sua língua e presença cultural no exterior. A Inglaterra com o British Council, Alemanha com o Instituto Goethe, a França com a Aliança Francesa, Portugal com o Instituto Camões, a China com mais de mil institutos Confucio. Instituições que vão muito além do ensinamento do idioma.
Esses investimentos (o que temos de bom, o que produzimos para o mundo como cultura) ocorreram quando a maioria desses países começaram a perder suas colônias e precisavam aumentar seu comércio. Nós somos um país emergente, o único sem poderio bélico, mas que está descobrindo outra forma de inserção.
Essa é, acredito, a grande oportunidade de consolidação e ampliação de nossa força como potência atraente para comércio, investimentos e turismo. Temos, portanto, o desafio de somar e coordenar esforços numa articulação estruturada que tenha a capacidade de envolver agentes públicos e privados.
Com o mundo em transformação tão rápida, o desejo de desvendar o diferente, a procura do lazer pelos povos mais afluentes, a mobilidade e fome por conhecimento, sobretudo pela juventude, vislumbramos a condição de exercermos importante e decisiva atração no mundo. O Ministério da Cultura estuda os melhores instrumentos para a potencialização desta oportunidade, agora acentuada pelas janelas que serão a Copa e a Olimpíada.
ARNALDO MALHEIROS FILHO E JOSÉ CARLOS DIAS
A advocacia voluntária
A OAB não deve punir a advocacia pro bono. Não há ética que se fira com o bem feito a quem precisa, e ainda sem nenhum custo ao Estado
Muitos advogados, com sua independência, decidem não cobrar honorários de certos constituintes que, a seu ver, não têm condições de pagar honorários no padrão em que estão habituados a receber.
Há cerca de dez anos, a seccional paulista da OAB editou uma resolução em que, incorporando o chamado "anglicismo em latim" (não é caso único), tratou do que chama de "advocacia pro bono", fixando uma série de condições para que ela se exercesse, criando impedimentos sem previsão legal, extrapolando sua esfera de atuação.
Tudo para atender à numerosa massa dos chamados "conveniados", advogados que aceitam nomeação para o patrocínio de necessitados, cobrando por isso do Estado, de acordo com uma tabela.
Isso não impede, obviamente, que quem quiser advogar sem cobrar assim o faça. Mas os conveniados pressionam a entidade dizendo que isso é "concorrência desleal" e lhes subtrai "mercado". E a OAB, dada a expressividade eleitoral do grupo, encampa o raciocínio. Curioso que uma instituição tão preocupada, já no Estatuto e Código de Ética, em vedar "características mercantis" na profissão, use os termos acima, tão desse naipe.
O tribunal de ética vem decidindo que pessoas físicas necessitadas só podem contar com patrocínio que custe ao Estado, não que lhe poupe algo, ainda que ínfimo, pois "pode ser interpretado como benemerência travestida de captação de clientela" (quis-se dizer o contrário, por certo). Atender sem cobrar seria antiético.
A captação de clientela, a despeito de amiudada nos diversos patamares da profissão, é infração grave, que merece punição. Não porém a atitude de quem se propõe a advogar de graça, pois aí não há "cliente" (já que nada paga), mas "constituinte", com direito ao mesmo zelo e empenho que o advogado devota a suas causas remuneradas.
É sim possível captar clientela através da advocacia gratuita, especialmente quando o profissional se jacta disso em público ou se arroga o direito de "julgar" seus assistidos, a ver se a causa vale seu investimento. A ordem deve é punir a captação, não a mera atuação benigna. Não há ética que se fira com o bem feito a quem precisa.
A única autoridade pública com poder legal de saber do advogado quanto ganha é a Receita Federal, mas somente se ganha. Do contrário, satisfações não são devidas.
O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) adotou um modelo e convida outras instituições a segui-lo, especialmente para atender aos necessitados em questões cíveis.
Através de acordo firmado com a Defensoria Pública, que não custa um centavo ao erário, ela lhe encaminha uma cota mensal de casos de plenário de júri. O instituto recruta entre seus membros colegas que queiram prestar essa contribuição, obviamente sob controle de qualidade da defensoria.
Com isso, nenhum advogado se vangloria de trabalhar de graça; não recebe carentes que o procurem, é a defensoria quem escolhe os casos; não julga os assistidos, dando vida ao propósito maior do IDDD, a proclamação de que defesa é direito inalienável de todo cidadão, inocente ou culpado. Não há captação de clientela e, pois, qualquer impedimento ético na atuação voluntária.
Sorte teve o assistido do bom samaritano, pois este não conhecia tal "ética".
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