ZERO HORA - 24/02/2013
Uma vez, em uma conversa entre amigos, alguém comentou que jamais
conseguiria casar com quem ouvisse Celine Dion. Casar? Eu não
conseguiria pegar uma carona com alguém que ouvisse Celine Dion,
retruquei, exagerando. E foi nesse tom de brincadeira que continuamos
falando sobre nossos eu nunca poderia me relacionar com alguém que....
Puro blábláblá, pois, na hora em que a paixão se apresenta, nossos
gostos se adaptam rapidinho, e a gente se pega dançando forró quando
queria mesmo era estar num show do Pearl Jam. Ainda assim, essa questão
de ter afinidade musical não é absolutamente tola. Gostar de gêneros
musicais diferentes não impede um relacionamento, mas, quando há
compatibilidade, dois amantes evoluem e transformam-se em dois
cúmplices.
Tudo porque a música não é uma forma de ocupar o silêncio,
simplesmente. Ela provoca uma experiência física e sensorial. Ela vai
buscar você onde você se esconde. E compartilhar isso com quem amamos é
roçar no sublime.
Se aquilo que gosto de ouvir estimula as mesmas sensações em quem
convive comigo, cria-se um diálogo sem palavras, à prova de
mal-entendidos. A música invade e captura o que há de melhor em nós,
nossa essência primeira, a que não foi corrompida por racionalizações. E
essa sensibilidade refinada, ao ser despertada simultaneamente em um
homem e em uma mulher (ou numa plateia inteira, no caso de um
espetáculo) gera uma comunhão tão rara quanto mágica.
Muitos filmes já demonstraram como a música pode ser um fator de
aproximação entre casais. Para citar dois que concorrem ao Oscar neste
domingo, no belíssimo Amor, os protagonistas idosos não eram apaixonados
apenas um pelo outro, mas igualmente por música erudita, o que
reforçava o laço. Em O Lado Bom da Vida, duas vítimas de perturbações
psíquicas encontram uma forma de serenizar sua ansiedade descontrolada
através da dança, fazendo com que seus corpos obedeçam a um ritmo, e sua
alma também. A música facilita que identifiquemos um “igual”, ou alguém
razoavelmente parecido conosco. E ajuda a fazer esse encontro perdurar.
Não que tenha sido descoberta a fórmula do sucesso das relações – elas se desfazem, mesmo quando há gostos afins.
Mas, entre os momentos que ficarão na lembrança, estarão aqueles em
que ambos sabiam com certeza o que o outro estava sentindo quando
conectados pela música, uma música que, às vezes, nem estava sendo
tocada, mas escutada por dentro, como na hora exata do parto do filho,
em que se ouve internamente uma orquestra, ou na hora da decolagem de um
voo, quando se ouve internamente uma ópera, ou durante o primeiro
beijo, quando se ouve internamente... sinos? Humm, eu escolheria uma
trilha sonora menos óbvia, mais inspiradora.
Coisa mais triste quando, ao recordar um amor, a gente tenta lembrar: qual era a nossa música? E não havia.
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