domingo, 24 de fevereiro de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo


Desvios de emergência
O governo federal vai emprestar dinheiro a bancos privados a fim de incentivá-los a financiar obras de infraestrutura que serão concedidas a empresas particulares.
Na prática, o governo vai endividar-se ao custo da taxa de juros pela qual capta recursos no mercado e emprestá-la a custo menor, ou seja, com subsídio.
O procedimento é quase rotineiro no caso dos fundos destinados ao BNDES. Tem se tornado frequente, desde 2008, para os grandes bancos comerciais federais, Caixa e Banco do Brasil, uma forma de capitalizá-los para que ocupem o mercado aberto diante da timidez dos bancos privados.
O objetivo parece ser acelerar o exame de pedidos de financiamento e, assim, a concessão e as obras de infraestrutura de transporte.
Trata-se de outro recurso súbito à privatização, providência à qual o governo tem de recorrer para incentivar o investimento, que decaiu e atrapalhou o crescimento no primeiro biênio de Dilma Rousseff.
No curto prazo, a iniciativa pode ser eficaz. Porém, chama a atenção pela sua extravagância. Caso o financiamento da produção e o mercado financeiro fossem adequados, não seria necessário esse arranjo improdutivo.
Como o governo faz nova dívida e gasta recursos públicos com subsídios, precisa recolher impostos da sociedade a fim de financiar tais despesas. Tudo isso para, no fim das contas, devolver tais recursos ao setor privado, pois o governo admite que não é capaz de lhes dar destinação eficaz.
Esse processo obviamente causa distorções. Torna-se necessário apenas porque é preciso contornar, por desvios longos, obstáculos causados pelo próprio governo (captura excessiva de recursos privados devido a gasto público exagerado e intervenções como a desmedida estatização do mercado de crédito).
O governo relutava em privatizar gestão e obras de serviços públicos. Só fez isso, inopinadamente, quando ficou evidente sua incapacidade de investir, deteriorada também por irregularidades em ministérios-chave.
Baixou normas que previam excessiva participação estatal em projetos de infraestrutura, ou que reduziam o interesse privado por tais empreendimentos, só para depois relaxá-las.
O governo, enfim, remenda seguidamente seu programa sem revisá-lo. Ou seja, nem abre espaço para que a iniciativa privada atue de modo desimpedido nem revê o papel do Estado de modo a concentrar atenções em áreas nas quais o país carece de iniciativa, como no caso de inovação tecnológica.
Em suma, o governo improvisa devido aos equívocos e insuficiências de seu programa.


Itália fraturada
Embora sem chances de voltar ao governo, possível segundo lugar de Berlusconi na eleição de hoje é o maior sintoma da instabilidade no país europeu
Para a surpresa de muitos italianos e do mundo, Silvio Berlusconi está de volta à cena política, pouco mais de um ano após ter sido enxotado do governo.
Em meio à crise econômica e a escândalos sexuais, o homem mais rico da Itália foi dado como politicamente morto, mas ressurgiu das cinzas para comandar a campanha de seu partido, o PDL.
Com base em propostas populistas, como a de reduzir impostos em período de graves dificuldades orçamentárias, o PDL vinha subindo nos levantamentos sobre as eleições de hoje e amanhã (a duas semanas do pleito é proibido publicar pesquisas eleitorais na Itália).
Embora em ascensão, Berlusconi tem poucas chances de ocupar o cargo de premiê pela quarta vez. Ele deve disputar o segundo lugar com o independente Beppe Grillo, ex-comediante que vem conquistando eleitores com seu Movimento Cinco Estrelas (M5S, em italiano) e um agressivo discurso contra a política tradicional.
Nenhum dos dois seria levado a sério numa democracia tradicional, mas não é de hoje que a da Itália se afastou da normalidade.
O ex-premiê, investigado por crimes que vão de evasão fiscal à contratação de prostitutas menores de idade, promete devolver o impopular imposto predial implantado pelo atual governo.
Já Grillo e o M5S têm atraído multidões com seu "tour tsunami", em que não faltam gritos de "ladrões" dirigidos à classe política. Em torno de um quinto do eleitorado parece contagiado pelo ex-comediante.
Mesmo com chances remotas de vencer, a ressurreição política do ex-premiê e o fenômeno Grillo podem fragilizar a eventual vitória da centro-esquerda, liderada por Pier Luigi Bersani e seu Partido Democrático (PD).
Já a situação do atual premiê, o pró-União Europeia Mario Monti, é humilhante. Sua coalizão, Com Monti pela Itália, amarga um quarto lugar, reflexo da impopularidade das medidas austeras e da incapacidade de seu governo de reverter a alta taxa de desemprego (11%), principalmente entre jovens de menos de 24 anos (37%).
Nesse cenário, ainda é provável que o país adote um gabinete de centro-esquerda, reunindo talvez as forças de Bersani e Monti. Se ela não obtiver boa maioria, a terceira economia da zona do euro sairá das eleições com um governo fragilizado, o que terá reflexos negativos e imprevisíveis sobre a Europa -e reabrirá a possibilidade inquietante de uma nova e encorpada investida de Berlusconi.

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