domingo, 24 de fevereiro de 2013

Miguel Falabella - Serafina

folha de são paulo

Louro, nórdico, olhos azuis, está em cartaz. 1 musical, 3 programas e outros mais por vir. Mas Miguel Falabella quer é sumir
ADRIANA KÜCHLERENVIADO ESPECIAL AO RIO
"Enjoei de atuar", diz Miguel Falabella no camarim do teatro em que apresentava o musical "Alô, Dolly!", no Rio. "Como ator, comecei a cansar de trabalhar."
Ele chega com o musical aos palcos de São Paulo, no dia dois de março, depois de uma temporada de quatro meses no Rio. E está no ar com a série "Pé na Cova", de que também é roteirista, na Globo. No canal de reprises Viva, surge quatro vezes por semana como Caco Antibes, de "Sai de Baixo", e o corretor Mario Jorge, de "Toma Lá, Dá Cá".
No mesmo canal, em março, vai aparecer ainda em outro repeteco, como o galã "serial killer" de "As Noivas de Copacabana". Em abril, estrela um especial com episódios inéditos de "Sai de Baixo", ao lado de quase todo o elenco original.
Mas, no momento em que está mais em evidência, o que ele quer mesmo é desaparecer. "'Pé na Cova' deve ser meu último papel na TV." No teatro, vai atuar cada vez menos.
Escapar dos holofotes não é o mesmo que abandonar o mundo artístico. Miguel só descobriu que esse mundo tem opções mais atraentes para ele. "Gosto do meu escritório, do meu computador. Perco muito tempo atuando. Quero escrever."
Entre os novos projetos como escritor e diretor estão criar musicais originais e fazer novas versões de clássicos, como "Annie", voltar a fazer cinema ("de preferência como o Almodóvar, que tem o controle de tudo") e escrever um romance sobre a história da própria família (a avó foi assassinada pelo cunhado; a mãe, professora, foi presa durante a ditadura). Em São Paulo, pretende lançar um musical em homenagem à cidade, "Memórias de um Gigolô".
A MORTE LHE CAI BEM
Aos 55, Miguel faz parte do entretenimento da família brasileira há mais de 30 anos (estreou na Globo em 1982), o que inspira no público uma espécie de intimidade com o artista.
No intervalo do musical, três senhoras conversavam no café. O assunto era ele. "Como é bom ator", diz uma. "E ótimo cantor", completa a outra. "Quanto mais velho, mais charmoso ele fica", suspira a terceira.
Miguel gargalha quando ouve a história. Tudo indica que a descrição de galã usada pelo seu personagem mais marcante, Caco Antibes, de "Sai de Baixo" ("loiro, nórdico..."), continua lhe caindo bem. Acata os elogios com um sorriso e parece não se incomodar com o aposto "mais velho".
Fazer a série "Pé na Cova", sobre uma família dona de uma funerária no subúrbio do Rio, tem a ver com os anos que passam. "Eu queria muito falar sobre a morte. A gente vai ficando mais velho, a partir dos 50, e a morte vira uma realidade. O fim... Não pensava nisso com 30 anos."
Traduzir, dirigir e encenar "Alô, Dolly!" também tem a ver com amadurecer. "Quando eu tinha oito anos, minha avó me levou para ver essa peça. Fiquei alucinado e decidi que era aquilo que faria pro resto da vida. Só não fiz o musical antes porque... Você sabe como é a vaidade dos atores", diz, enquanto come pedaços de uma maçã já picada em um Tupperware.
"A gente pensa em projetos que nos coloquem em destaque. E meu papel é delicioso, mas é um coadjuvante", diz ele, acostumado a ser protagonista de quase todos os projetos de que participa. Na versão do musical da Broadway, a estrela é Marília Pêra (que também está em "Pé na Cova").
BEIJO NA BOCA
Se decidiu abrir mão de ser o protagonista, o ator-diretor-autor-apresentador-tradutor-produtor e assim por diante não desiste de suas esquisitices. "Meus programas sempre têm um doido, um psicótico, um travesti. Sou excêntrico e pago um preço pela excentricidade."
O preço, ele diz, é estar longe de ser um campeão de ibope ou não ver suas criações passarem no "Vale a Pena Ver de Novo" ("Se passar à tarde, sei que alguma coisa deu errado.")
A presença constante de travestis, gays e lésbicas (como o casal Tamanco e Odete Roitman de "Pé na Cova", personagens de Mart'nália e Luma Costa) pode não garantir TVs ligadas, mas a diversidade de seus personagens já lhe rendeu prêmios e menções honrosas, dados por associações dos direitos LGBT.
"É a minha maneira de fazer ativismo. Não preciso sair sacudindo bandeira na Parada Gay. Há outras maneiras de dizer às pessoas que isso tudo é uma grande bobagem, que todo mundo morre no final. Então, vamos ser felizes com quem a gente escolhe ser feliz."
Detalhes, segundo ele, não interessam a ninguém. Conta apenas que namora. "Fui casado a vida inteira. Dou muito beijo na boca", diz. "Se não fosse feliz nessa área, não seria o artista que sou. Sempre fui honesto, coerente. Nunca fiz número nem saí posando de outra coisa. Nunca escondi o que eu era para ninguém."
Para mostrar que não tem nada a esconder, tira a camisa e exibe a "primeira e única" tatuagem, ainda por terminar. O santo que leva seu nome, cercado de rosas vermelhas, ocupa todo o braço direito e vem com explicação do Miguel que não é santo: "Onde tem dois Miguel, o Diabo não entra".
Foi levado a passar pelo ritual dolorido pelos sobrinhos adolescentes, que trata como filhos. "São os meus amores, dou carro, sou o queridão."
Da rotina do artista aparentemente incansável, além de atuar, dirigir, escrever, namorar e distribuir presentes, fazem parte também caminhadas na lagoa Rodrigo de Freitas, ginástica todo dia "porque tem que fazer" e visitas a casas de amigos, como a socialite Bethy Lagardère e as atrizes Betty Lago e Claudia Jimenez ("'Night' nunca mais. Não vou e acho que nunca mais irei.")
Terapia fez duas vezes. "Eu era um jovem muito delirante, com essa capacidade de inventar o tempo inteiro. Não posso fazer nada. Sou assim, minha cabeça não para. Um dia vai parar. E pronto."
CRÍTICA X PÚBLICO
Além de hiperativo, Miguel dá outra explicação para justificar o ritmo frenético. "Não paro de trabalhar porque não posso ver as pessoas desempregadas. Me dói. Juro a você. Então, invento projeto para poder encaixar todo mundo."
A generosidade alardeada por ele mesmo não se dá só na distribuição de papéis, mas também de pequenos luxos entre amigos e elenco. Há três anos, a reportagem flagrou o diretor presenteando uma atriz de "Hairspray" com um vestido de grife porque, afinal, "toda mulher merece ter um vestido Armani".
E todas as atrizes da peça "A Partilha" (que ele escreveu e dirigiu e que tem remontagem em São Paulo com Susana Vieira, Arlete Salles, Patricya Travassos e Thereza Piffer) mereceram, antes da estreia da primeira montagem, anéis do joalheiro Antonio Bernardo.
Só que a crítica massacrou o espetáculo ("Inclusive a Folha. Mas o crítico era bem bonitinho. Dava até pra pegar", ri Miguel). E, diante do iminente fracasso, ele ameaçou tomar os mimos de volta para quitar as contas. "Lembro a Susana e a Arlete dizendo: 'Espera que o público vem!'" E o público foi, a peça fez sucesso, virou filme e foi montada em 12 países. Ficaram os anéis e os dedos.
Já com "Godspell", de 2002, releitura do musical americano hippie-religioso, diz que perdeu por volta de R$ 500 mil ("Quase tive que vender meu apartamento em São Paulo").
Mas foram poucos os fracassos. Em geral, Miguel diz que se acostumou a ser sucesso de público e alvo da crítica. "Já sofri toda espécie de 'bullying' da imprensa. Parece ranço de quem acha que dar certo e fazer sucesso é uma coisa pejorativa."
O grande trauma aconteceu nos anos 1980, quando "me mataram de Aids", conta. Uma revista surgiu com o boato de que ele tinha a doença e sugeriu que desmentisse com um exame. A publicação então espalhou cartazes nas bancas em que se lia "Falabella", em letras grandes, "diz que não tem", em letras pequenas, e então, novamente enorme, "Aids". Diante da repercussão, mal podia sair na rua.
"Mas porrada nunca me jogou no chão", diz, dando um tapa na bancada. "Apanho bem à beça. Sou que nem o boneco João Bobo. Eles pensam que me derrubam, e eu volto."
Diz que lê críticas, só não se preocupa com elas. "O que me importa é a relação com o público. O resto sai na urina, como dizia minha avó."
Nos próximos dias, Miguel se muda para São Paulo para a temporada de "Alô, Dolly!". Não vai para o Arouche de Caco Antibes, mas para seu apartamento num prédio projetado por Paulo Mendes da Rocha, na rua Haddock Lobo, nos Jardins.
No bairro paulistano, ele chama a atenção. "Gosto de andar de chinelo. E as pessoas me olham estranho, né, porque em São Paulo não se usa [sair de chinelo]", diz o ator. "Outro dia, uma mulher me parou e falou: 'Ai, Falabella, anda melhorzinho!' Eu tava todo molambento."
O sinal do teatro toca para o segundo espetáculo da noite, que já vai começar. Um Miguel nada molambento se despede enquanto veste suspensórios, gravata e chapéu do personagem. Está pronto para apanhar ou receber elogios e aplausos. Só depende de quem for a audiência.


FRASES
"Fui casado a vida inteira. Dou muito beijo na boca. Nunca escondi o que era para ninguém"
"Não paro de trabalhar porque não posso ver as pessoas desempregadas.
Me dói, juro a você"
"O que me importa é a relação com o público.
O resto sai na urina, como dizia minha avó"
"[meus personagens são] a minha maneira de fazer ativismo.
Não preciso sair sacudindo bandeira na Parada Gay"

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