A apresentadora Ana Paula Padrão escreve uma biografia, fala da "dor absurda" da perda de um bebê no terceiro mês de gestação e diz que hoje é uma pessoa "quase doce"
Ao rever uma reportagem sobre o "badernaço", manifestação que acabou em confronto em Brasília, em 1986, Ana Paula Padrão percebeu como sua voz era diferente no começo da carreira. "Fiquei chocada em ver como havia incorporado um padrão vocal masculino", relata à repórter Eliane Trindade.A ficha caiu em 2002, quando a jornalista fazia uma série de reportagens sobre mulheres no mundo do trabalho para o "Jornal da Globo". Ocupava também a bancada do telejornal do fim de noite desde que voltara de uma temporada como correspondente em Nova York.
A mudança embutia mais do que amadurecimento do timbre ou maior segurança. Personalizava o que a fonoaudióloga Maruska Rameck descreveu em um estudo sobre o falar das mulheres poderosas: menos ar e menos espaço entre as palavras e o tom mais grave. "Ao pesquisar a voz de mulheres em posição de comando, a conclusão foi a de que mudamos a voz para chegar ao poder."
As angústias de Ana Paula encontraram eco em Dilma Rousseff, então ministra de Minas e Energia. Uma entrevista que deveria durar 15 minutos virou conversa de uma hora e meia sobre o resgate de valores do universo feminino no mercado de trabalho.
Ela repete as palavras da futura presidente: "Se a mulher só vive para o tempo da produtividade, que é diferente do tempo de educar uma criança, por exemplo, está pensando errado a vida familiar". Outra frase de Dilma calou fundo: "A vida sem um companheiro, sem alguém para amar, sem filhos e família, é uma vida pobre".
Na época, aos 35 anos, Ana Paula, hoje com 47, contabilizava um casamento fracassado, não tinha filhos e vivia para o trabalho. "Que sentido tinha ser super respeitada, estar numa das bancadas mais gloriosas da tevê e ter uma carreira sensacional, se não tinha vida pessoal?", diz a apresentadora.
Foi em um encontro profissional que conheceria o futuro marido, o economista Walter Mundell, 59. "No final da entrevista me deu um clique: essa é a mulher da minha vida. Vou atrás dela até o fim do mundo", recorda-se ele, 11 anos depois de ter ido a Paris só para jantar com Ana Paula. Ela estava na capital francesa a caminho de Seul, onde iria cobrir a Copa do Mundo na Coreia em 2002.
No segundo jantar, rolou o primeiro beijo e o pedido de casamento. O sim dela só viria 45 dias depois, quando acabou o Mundial. "O que gastei de telefone dava para comprar um carro", brinca Walter, que foi buscar Ana no aeroporto. "Nunca mais nos separamos. Era fim de julho e marcamos o casamento para setembro", diz ela.
Protagonista de um conto de fadas moderno, a princesa do telejornalismo passou a viver os dilemas cantados por Chico Buarque em "Ela É Dançarina": "O nosso amor é tão bom/o horário é que nunca combina/eu sou funcionário/ela é dançarina".
A ex-bailarina cansou das piruetas para conciliar o casamento com uma função que a fazia chegar em casa às 2h da manhã. "Walter já estava dormindo. Por quase três anos, a gente viveu em fusos horários diferentes", diz.
Em 2005, Ana Paula trocou a Globo, onde estava havia 18 anos, pelo SBT, em um lance que trouxe para o primeiro plano sua vida pessoal.
"Mudei de emprego porque queria ser mulherzinha. Queria tempo para ficar com meu marido. Não via sentido em envelhecer como uma mulher carreira'."
O fato de ter sofrido um aborto foi determinante. "Eu estava mexida. Vinha de quatro tentativas de fertilização in vitro e de um aborto."
A corrida tardia pela maternidade, com a ajuda das modernas técnicas de fertilização assistida, foi um duro aprendizado. "Só aparecem as fotos dos bebês risonhos dos casos de sucesso. Nas clínicas, encontrei mulheres que estavam na décima tentativa e nada."
Em uma pausa do tratamento, engravidou naturalmente, mas perdeu o bebê no terceiro mês de gestação. "Quando cheguei ao consultório, o coração dele já não batia. Fiquei três dias internada. Walter e eu chorávamos desesperadamente. Foi uma dor absurda."
Ana Paula ainda fez outras duas tentativas de fertilização. "Aí, cheguei à conclusão de que estava criando um ponto de infelicidade numa vida muito feliz. O quarto vazio do bebê, as viagens adiadas para o caso de engravidar. Resolvi não tentar mais. A vida não me deu um filho, mas me deu muitas outras coisas", afirma. O quarto que seria do bebê deu lugar a uma biblioteca.
Expor suas fragilidades aproximou a jornalista de vez do público feminino. As mudanças profissionais e pessoais são a matéria-prima de uma autobiografia. "Eu uso a minha história para mostrar como as mulheres da minha geração chegaram a um momento de querer a todo custo retomar a mulher que existia dentro delas."
O livro da apresentadora, que, em março, deixou a bancada do "Jornal da Record" após 27 anos de carreira na televisão brasileira, deve ser lançado ainda no segundo semestre deste ano pela editora Paralela.
Falar dos desafios femininos virou trabalho para ela, que é dona do portal Tempo de Mulher. "É uma empresa de comunicação e de desenvolvimento de produtos e serviços voltados para o público feminino. A mulher hoje no Brasil é um grande negócio."
No mês passado, a jornalista recebeu 28 convites para fazer palestras. Falou para diretoras de Recursos Humanos e para mulheres empreendedoras. Em outubro, promoverá um seminário internacional sobre a presença feminina no mercado de trabalho. "O ambiente corporativo não é confortável para a mulher", afirma.
Com base nos princípios de empoderamento feminino propostos pelas Nações Unidas, Ana Paula está formatando um prêmio para as empresas que melhor tratam as suas funcionárias no país. É um parceria com a Itaipu Binacional, agraciada pela ONU por práticas que levaram 22% dos postos de gerência a serem ocupados hoje por mulheres.
Os novos projetos devem afastá-la definitivamente da televisão. "Nunca digo nunca, mas estou comunicando ao mercado que quero fazer outras coisas na vida." Uma delas é curtir férias com o marido. O casal embarca no final deste mês para uma viagem de barco pela Sicília, na Itália, a convite de amigos italianos que acabaram de comprar uma embarcação que pertencia ao ator americano George Clooney.
"Hoje, eu definitivamente sou mais mulherzinha, quase doce", afirma Ana Paula Padrão, que se sentiu poderosa em um vestido de noiva e adora cozinhar.
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