'Péssima ideia', me disse John Bell quando eu, ainda jovem, quis estudar as bizarras 'ações à distância'
No meu segundo ano, após passado o temido exame de qualificação, tinha que escolher minha área de pesquisa. Meu orientador, John G. Taylor, estava interessado em teorias de unificação usando a supersimetria, a última moda no início dos anos 80, graças aos resultados dos físicos John Schwartz e Michael Green em teorias de supercordas.
A ideia era explorar modelos descrevendo as forças fundamentais da matéria em nove ou dez dimensões espaciais, eventualmente reduzindo tudo a uma teoria efetiva nas três dimensões que conhecemos.
O tópico era bem técnico --mais matemática do que física-- e não me interessei muito.
John Bell era um dos palestrantes em uma conferência em Oxford e resolvi pegar um trem e me apresentar a ele. Bell trabalhava no Cern, o mesmo laboratório onde, ano passado, descobriram o bóson de Higgs.
Mas ele era famoso por outro resultado, um teorema que revolucionou nossa compreensão do mundo quântico. Desde que era aluno de graduação na PUC-Rio, me interessava pela interpretação da mecânica quântica, no que dizia a teoria mais efetiva e mais misteriosa da física. (Leitores das minhas duas últimas colunas sabem do que falo.)
A apresentação de Bell era sobre seu teorema de 1964 e sobre recentes verificações experimentais. (Experimentos de John Clauser e Alain Aspect.) A física quântica, que trata dos átomos e das partículas subatômicas, produz efeitos muito bizarros. Entre eles, a possibilidade de que dois objetos separados por grande distância exerçam "influência" mútua mais rápida do que a velocidade da luz.
Isso vai contra toda a física anterior e a nossa intuição de que um efeito tem uma causa que, mesmo se rápida, é mais lenta do que a luz.
A mecânica quântica não explica isso, simplesmente aceitando que a coisa é assim. Extensões da teoria tentam justificar o que ocorre usando as chamadas "variáveis escondidas" de David Bohm. O teorema de Bell oferece um teste para ver se a teoria quântica é completa ou se extensões são viáveis.
Objetos quânticos devidamente "emaranhados", ou em interação, se comportam como uma unidade mesmo se separados. Por exemplo, imagine dois elétrons saindo de uma fonte em direções opostas. Imagine que estejam também girando em sentidos diferentes --elétrons não são piões, mas vamos lá.
Se o giro de um é invertido, o do outro também se inverte sem ninguém tocá-lo. O mais incrível é que isso ocorre mais rápido do que a velocidade da luz, talvez até instantaneamente, se bem que nunca poderemos confirmar se algo ocorre instantaneamente, pois nossos instrumentos não têm precisão absoluta.
Bell e os experimentos demonstraram que extensões da mecânica quântica com ação local não funcionam; a natureza é não local, isto é, sujeita às bizarras "ações à distância". Empolgado, perguntei a Bell se me orientaria. "Péssima ideia um jovem trabalhar nisso", disse. "Espere até você ter uma reputação sólida. Caso contrário, ninguém o levará a sério." Não sei se chegou a hora, mas o "fantasma quântico" vem me assombrando nesses dias.
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