Europeus descobrem, tarde demais, que austeridade mata, mas não conseguem fugir da armadilha
Pena que sua descoberta seja tardia: Letta era o segundo homem do PD (Partido Democrático), que apoiou sem muitas reservas durante 14 meses o programa de austeridade de Mario Monti, imposto pela Europa sem passar pelo crivo da eleição, e que de fato "matou" uma Itália já levada à UTI pelas políticas de Silvio Berlusconi, o antecessor de Monti.
Detalhe nada menor: Letta, Berlusconi e Monti uniram-se de novo agora para inventar o governo do primeiro. Alguma surpresa com o fato de que os italianos tenham transformado um grupo antiestablishment (o Movimento 5 Estrelas) no partido mais votado, isoladamente, no pleito de fevereiro?
De todo modo, não é essa bizarra composição que torna mais triste a situação na Itália e, mais amplamente, na Europa toda. Pior ainda é o fato de que Letta insiste em "reativar o crescimento sem pôr em perigo o processo de consolidação fiscal" (codinome para austeridade, a que mata).
Vejamos a propósito o testemunho de um acadêmico --Mark Blyth, professor de Economia Política Internacional da Universidade Brown-- para a "Foreign Affairs" que está nas bancas: "Na esteira da recente crise financeira que levou a dívida pública a explodir, a maioria da Europa tem perseguido a austeridade consistentemente nos últimos quatro anos. O resultado da experiência está agora à vista e é igualmente consistente: austeridade não funciona".
Ouçamos agora Joschka Fischer, ex-ministro alemão do Exterior, em artigo para "El País": a Alemanha impôs aos demais países "a mesma estratégia que funcionou para ela, no início do milênio, mas em condições internas e externas totalmente diferentes. Para os países do sul da Europa golpeados pela crise, a fórmula que a Alemanha defende, com sua mescla de austeridade e reformas estruturais, está resultando mortal porque lhe faltam dois componentes fundamentais: corte da dívida e crescimento".
Falta um terceiro elemento: na Alemanha, como é da praxe de seu sistema, as reformas foram negociadas com patrões e empregados, ao passo que na Europa do Sul estão sendo impostas de dentro para fora e de cima para baixo.
Daí resulta, para voltar a Fischer, que "a verdadeira crise da União Europeia e da união monetária não é de caráter financeiro mas político ou, mais precisamente, é uma crise de liderança. Todas as capitais europeias revelam notória falta de visão, coragem e firmeza de propósitos, mas isso se aplica especialmente a Berlim (e ao governo tanto como à oposição)".
Mesmo na Alemanha e mesmo entre os defensores da austeridade, há o reconhecimento de que "o governo federal se encontra praticamente só em sua estratégia de solução da crise", como escreve Günther Nonnenmarcher para o "Frankfurter Allgemeine Zeitung".
Ainda assim, Angela Merkel levará sua solidão e sua arma de destruição em massa até pelo menos setembro, mês da eleição. Seus parceiros aguentarão o coma até lá?
crossi@uol.com.br
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