domingo, 5 de maio de 2013

Minha História Delaíde Arantes,61

folha de são paulo

De doméstica a ministra
(...) Primogênita de 9 irmãos foi empregada para custear os livros e realizar sonho de cursar direito
JÚLIA BORBADE BRASÍLIAMeu sonho sempre foi trabalhar com Direito. Uma vez me perguntaram: como é o caminho de empregada a ministra? Olha, foi tão longo que nem dá para fazer uma ligação direta.
Fui doméstica aos 15 anos, em Pontalina (GO), para ajudar a custear meus estudos, comprar livros. Fiquei nesse emprego por um ano.
A segunda ocasião foi ao sair da minha cidade. Fui para Goiânia e trabalhei em uma república de moças. Eu morava lá, mas não pagava aluguel, prestava esses serviços. Fiquei lá seis meses.
Sou a filha mais velha de nove irmãos. Fui a primeira a sair de casa e a primeira a me formar no nível superior. Depois de mim, outros irmãos também fizeram faculdade.
Desde menina me dei conta de que a situação financeira da minha família era muito ruim. Vovó dizia que tinha receio de a minha mãe passar dificuldade. Eu pensava: vou ajudar meus pais.
Lembro de pedir a Deus para me ajudar a conseguir estudar. Papai me dizia que era muito difícil, éramos muitos filhos e eles não tinham recursos. Estudei bastante. Minha escola ficava a 2,5 km de casa. Ia e voltava a pé.
Lembro-me de um episódio em que um primo foi me ajudar a arrumar um emprego. Ele ligou para um político que frequentou a casa do meu avô e, quando explicou quem eu era, o interlocutor emendou: "Neta do Cipriano não pode ser".
O que ele queria dizer era: aquela família era tão simples que eu não poderia ter preparo para trabalhar em um escritório de advocacia.
Trabalhei lá por seis meses.
SONHOS COM TRIBUNAL
No interior existem poucas atividades culturais. Em Pontalina só tinha uma sala de cinema, que exibia filmes alguns dias do mês.
O que tinha sempre era seção do Tribunal do Júri. A população ia lá assistir e ficava encantada. Eu também.
Sempre soube que era isso que queria. Fiz contabilidade e depois o curso de direito.
Nesse período, em Goiânia, trabalhei em vários lugares: em loja de material de construção, recepcionista em construtora e, depois de uma seleção, fui secretária-executiva de uma multinacional.
Sou uma otimista incorrigível. Gosto de dizer que era feliz como doméstica, recepcionista, secretária, estagiária. É preciso gostar do que se faz. Procurei fazer tudo da melhor forma.
Não houve um salto na minha carreira. Foi uma longa e lenta caminhada. Ingressei de corpo e alma na carreira.
Com dez anos de advocacia, passei a ter meu próprio escritório. Depois de 30 anos surgiu a oportunidade de concorrer a uma vaga no Tribunal Superior do Trabalho. Concorri com 28 advogados de todo Brasil.
Meus pais são vivos e estão muito orgulhosos de mim.
Eles me apoiam desde pequenininha.

    "Nova lei tira o trabalhador da invisibilidade"
    DE BRASÍLIAHá pouco mais de um mês em vigor, a nova Lei dos Domésticos ainda não foi completamente regulamentada.
    Pontos como a definição da jornada de babás e cuidadores ou a multa paga pelos patrões em demissão por justa causa, por exemplo, ainda precisam ser definidos pelo Congresso Nacional.
    À Folha, a ministra do TST Delaíde Arantes --que, no Dia do Trabalho, completou 61 anos-- diz que compreende a controvérsia, mas apoia regras iguais para as categorias.
    Folha - Por qual motivo a PEC trouxe tanta discussão?
    Delaíde Arantes - É uma questão complexa do ponto de vista de paradigmas. Quando veio a Constituição de 88, também houve reclamação. Agora é um pouco mais complicado do ponto de vista de conscientização. Não são empresas reclamando, mas milhões de pessoas.
    Qual dos pontos, na sua opinião, é o mais polêmico?
    A jornada de trabalho, porque muitos empregadores já combinaram a remuneração estabelecendo qual seria a jornada. É necessário um processo de adaptação, mas defendo a mudança. Não há nada que justifique uma categoria de 7,2 milhões de brasileiros viver marginalizada.
    A senhora concorda com a multa de 40% sobre FGTS para demissão sem justa causa?
    Do ponto de vista legal não pode ser diferente, mas não sou radical de dizer que não aceito discutir.
    A PEC acaba com a marginalização da categoria?
    Melhora muito o constrangimento, a estima. A emenda não acaba com todos os problemas, mas o trabalhador passa a ser reconhecido, sai da situação de invisibilidade.

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