ZERO HORA - 17/03/2013
Houve
um tempo que eu detestava roupas amarelas. O que não deixava de ser
estranho, uma vez que essa cor tem uma energia que combina com meu
estado de espírito. Mas me fechei para o amarelo de uma forma ranzinza e
implicante, e nesse fechamento creio que enclausurei uma parte
importante de mim que passou a fazer falta. A parte em que deixo de
imitar a mim mesma a fim de permitir que eu me surpreenda.
Explico:
durante a vida a gente vai assimilando ideias, cultivando gostos,
estabelecendo maneiras de ser, até que vira um ser humano aparentemente
acabado: sou desse jeito, prefiro isso, não suporto aquilo, minha turma é
essa, daqui não saio. Instalamo-nos numa bolha confortável e já temos
as respostas prontas para quem vier bater à nossa porta.
Na hora
de enfrentar as demandas do dia a dia, nada mais simples: é só imitar
aquela criatura com a qual nos habituamos. Já temos o manual de
instruções decorado. Sou desse jeito, prefiro isso, não suporto aquilo
etc, etc.
Até que chega um momento em que você se dá conta de
que parece um boneco em que deram corda e que vive repetindo as mesmas
frases, os mesmos gestos, sem nenhuma reflexão a respeito. Está há anos
imitando a si mesmo, pois é fácil e rápido, um modelo pra lá de
conhecido. No entanto, você tem uma reserva de imaginação, ainda sem
uso, que deve ser acionada para o que, às vezes, se faz necessário:
rasgar o manual e escrever uma nova história a partir do zero.
Pois
então estava eu, caminhando por uma calçada, de bobeira, quando passei
por uma vitrine e vi um desses manequins sem rosto vestindo um casaco
colorido, uma calça jeans e uma bota amarela. Meu olhar de Cyborg
(ninguém foi criança impunemente) focalizou a bota, deu-lhe ampliação e
fez com que ela se destacasse do conjunto.
Eu não enxergava mais
nada, só aquela bota amarela. E, como num transe, entrei na loja, pedi
meu número e provei a bota, sem ter a mínima ideia onde, quando e com
que coragem a usaria um dia. Eu simplesmente saquei meu cartão de
crédito e comprei a metáfora da vida que eu pretendia levar dali por
diante.
Se não usá-la, poderei colocá-la numa prateleira da
parede para que ela me lembre de que não precisamos ter uma cor
preferida, que nossas convicções podem ser reavaliadas sem prejuízo à
nossa imagem, que o que a gente gostava antes não precisa ser aniquilado
em detrimento de nossos novos e frívolos amores, que ninguém perderá
sua essência só porque resolveu variar de personagem.
Insistir
nas próprias convicções é um perigo. A certeza nem sempre é amiga da
sanidade. Se eu fosse uma fashionista, ninguém estranharia, mas não
sendo, há quem vá me achar meio maluca desfilando de bota amarela por
aí. Não importa. Ela estará me conduzindo justamente ao saudável mundo
do desapego de nossas crenças.
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