domingo, 17 de março de 2013

Morte e vida de um rio - Amanda Kamanchek

folha de são paulo

O Saracura, um dos 300 cursos de água da cidade, nasce limpo perto da Paulista se junta a outros dois e vai até o poluído Tamanduateí; quase ninguém sabe
AMANDA KAMANCHEKDE SÃO PAULOQuem diria que a São Paulo árida e cinza tem uma grande história sobre um rio. Uma não, 300 histórias de rio, segundo o geólogo Luiz de Campos Jr., 51, que coordena o projeto Rios e Ruas.
Segundo ele, esses cursos de água têm 3.500 km de extensão. "Não se anda mais de 200 metros na cidade sem passar por um desses cursos", diz Campos.
Vamos contar a história de um rio que tem nome de pássaro: o Saracura. Ele nasce escondido, atrás da avenida Paulista, e escorre pela avenida Nove de Julho, depois segue pelo Vale do Anhangabaú, até chegar ao rio Tamanduateí, ao lado do Mercado Municipal. Para vê-lo, somente seguindo as pistas que restaram sob prédios e rodovias. São as galerias pluviais, os bueiros e os fundos de vale que trazem essas evidências.
Na pequena rua sem saída Garcia Fernandes, atrás do hotel Maksoud, impera outro clima. Menos luz, umidade latente e temperatura amena indicam que ali nasce o Saracura.
A água é conduzida até uma galeria pluvial e segue assim até chegar ao Tamanduateí. É o que acontece com 99% desses cursos de água.
Em dias de chuva, quando transbordam os bueiros, é possível ver uma água translúcida descendo pela rua Rocha, onde fica o lavador de táxis Onofre Sabino, 81. Ele puxa por uma mangueira parte da água da nascente, que brota num terreno, para lavar carros desde 1986.
"Nunca faltou água em todos esses anos", diz Sabino.
O lavador diz saber que ali há uma nascente e que ela é sua principal fonte de renda.
Dali, ele explica, a água desce pela rua Rocha até a praça 14 Bis, no Bixiga - bairro onde viviam os negros recém-libertos, nos anos 1930, e que hoje abriga a escola de samba Vai-Vai.
"Aqui foi um brejo até os anos 1960. Quem morava na região era muito pobre", diz Fernando Penteado, 66, diretor de Harmonia da Vai-Vai. "Nadei no Saracura até o fim dos anos 1950, quando começaram a canalizar o rio", diz.
Nos períodos de chuva, o Saracura faz aparições, inundando a praça 14 Bis. "Brincamos que de vez em quando o Saracura se invoca e diz: 'tô aqui'", afirma o sambista.
Ao chegar à praça das Bandeiras, ele se junta aos rios Itororó (que vem da av. 23 de Maio) e Bixiga. Os três formam o rio Anhangabaú, que segue dali até a rua 25 de Março e deságua no poluído rio Tamanduateí, na avenida do Estado. É o fim da história do Saracura.

    Rios sumiram sob o concreto; enchentes e poluição surgiram
    DE SÃO PAULOEnchentes, poluição e mau cheiro são as principais consequências da canalização ou da retificação dos rios da cidade, segundo especialistas.
    "A galeria pluvial é reta, vai para o vale sem que a água evapore, não tem curvas nem obstáculos para freá-la. E as pessoas ainda querem que não haja enchente?", diz o geógrafo Luiz de Campos Jr.
    Além disso, "com os rios encobertos, fica difícil preservá-los", afirma o engenheiro Sérgio Costa, do Instituto de Engenharia.
    Segundo a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), as pessoas jogam nas ruas pneus, bitucas de cigarro e até colchões. Tudo isso vai parar nos rios.
    Até 2020, a Sabesp, junto às prefeituras da região metropolitana, tem a meta de despoluir o rio Tietê e toda a sua bacia, o que inclui o rio Saracura e os outros córregos que passam pelo município.
    OPERAÇÃO LIMPEZA
    O Projeto do Tietê é financiado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e custará no total R$ 3,9 bilhões.
    "O objetivo é recuperar o contato da população com a natureza", diz Paulo Massato, diretor da Sabesp na região metropolitana. Segundo ele, já foram limpos e são monitorados 137 córregos pelo projeto Córrego Limpo.
    No entanto, o Anhangabaú ainda não foi limpo porque "ele e seus afluentes são invisíveis".
    "Os córregos priorizados são aqueles onde ocorrem reformas contra enchentes ou a construção de novos conjuntos habitacionais", diz.
    Sobre a prevenção de enchentes, a Prefeitura diz que planeja construir um piscinão no Anhangabaú.
    "Esses piscinões fazem o papel de várzea em locais que não poderiam ter sido invadidos, diz o engenheiro Aluisio Canholi, engenheiro civil e um dos autores do plano de macrodrenagem do Estado.
    "Não se planejou a cidade há 500 anos. Agora, vamos correndo atrás do tempo perdido", afirma.

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