Reconstruindo sua relação com a Igreja,
Dilma ganhará se, pelo menos, evitar em 2014 a repetição das
hostilidades esboçadas em 2010
Estado de Minas: 17/03/2013
Há uma notável
diferença de tom entre a mensagem da presidente do Brasil ao cardeal
Ratzinger, por ocasião de sua renúnica como papa Bento XVI, e a que ela
enviou ao sucessor Francisco, logo que foi escolhido. A primeira é
protocolar, quase seca; a segunda, visivelmente mais calorosa. Dilma
Rousseff estará na missa de sagração, na terça-feira, e terá encontro
reservado com o novo pontífice. Ela busca uma nova relação com o
Vaticano. Não espera ganhar votos de católicos em 2014 com essa
aproximação, mas, pelo menos, evitar a hostilidade sutil esboçada pela
Igreja à sua candidatura em 2010.
Recordando a mensagem a
Ratzinger: "Ao findar o seu papado, manifesto o meu respeito pela
decisão de Vossa Santidade de renunciar à Cátedra de S. Pedro". Ela cita
alguns marcos do pontificado em relação ao Brasil, como a realização da
Celam em Aparecida, a canonização de Frei Galvão e a próxima Jornada
Mundial da Juventude, no Rio. Termina com um protocolar "desejo que essa
nova fase de recolhimento o encontre com saúde e paz". Já para o novo
papa Dilma escreveu: "Em nome do povo brasileiro, congratulo o novo papa
Francisco e cumprimento a Igreja Católica e o povo argentino. Maior
país em número de católicos, o Brasil acompanhou com atenção o conclave e
a escolha do primeiro papa latino-americano. É com expectativa que os
fiéis aguardam a vinda do papa Francisco ao Rio de Janeiro para a
Jornada Mundial da Juventude, em julho. Essa visita, em um período tão
curto após a escolha do novo pontífice, fortalece as tradições
religiosas brasileiras e reforça os laços que ligam o Brasil ao
Vaticano". Faltou dizer que fez a primeira comunhão quando estudava no
Colégio Nossa Senhora de Sion, em Belo Horizonte.
No círculo
presidencial, a estratégia é confirmada. Ela foi dos primeiros
governantes a confirmar presença em Roma. Para isso, cancelou uma viagem
interna e antecipou parcialmente a mudança ministerial, deixando as
pendências com o PR e o PSD para resolver depois que voltar ao Brasil. O
governo pretende oferecer todo o apoio logístico e material de que a
Igreja precisar para a realização do grande evento que será a Jornada
Mundial da Juventude, em julho, no Rio.
Dilma, confirma um
colaborador, quer deixar para trás as fricções mal dissimuladas que teve
com a Igreja na eleição de 2010, que chegaram a contar com uma
manifestaçao do próprio papa Bento XVI, recebida como restrição à sua
candidatura, que ao longo do ano havia dividido os bispos brasileiros.
Se ela tinha o apoio de progressistas como dom Tomás Balduino e dom
Demétrio, conservadores liderados pelo paulista Nelson Westrupp chegaram
a lançar um manifesto enumerando atos do PT a favor do aborto e
condenando sua candidatura. Alguns padres pregaram contra ela nas
missas, por conta de antigas declarações relacionadas ao aborto. A três
dias do segundo turno, Bento XVI recebeu a visita de bispos do Maranhão,
dentro de um calendário de prestação de contas. Fez-lhes um discurso
focado na condenação ao aborto, em que disse: "Quando os projetos
políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do
aborto ou da eutanásia, o ideal democrático é atraiçoado nas suas
bases". Acrescentou que, nesses casos, "os pastores têm o grave dever de
emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas". Não citou Dilma,
mas autorizou a ação dos dogmáticos. A campanha dela, na reta final,
redobrou os esforços para neutralizar a imagem de candidata pró-aborto.
Reconstruindo
sua relação com a Igreja, ela já de fato ganhará se conseguir, pelo
menos, evitar a repetição daquele clima hostil, que certamente favoreceu
Marina Silva, evangélica e antiaborto.
Cristina e Bergoglio
Se
Dilma foi efusiva com Francisco, a presidente argentina Cristina
Kirchner enviou mensagem tida na Argentina como fria, quase gélida.
Novamente, para recordar: saudou-o em seu próprio nome, em nome do
governo e em representação do povo argentino, desejando "uma frutífera
tarefa pastoral" ao assumir "tão grandes responsabilidades em prol da
justiça, da igualdade e da fraternidade". O cardeal Bergoglio teve
atritos com o casal Kirchner por causa do aborto e da união entre
pessoas do mesmo sexo, regulamentada na Argentina.
A escolha, em
verdade, dividiu o kirchnerismo. Alguns ajudaram a alimentar as
notícias de que Bergoglio foi omisso durante a ditadura, tendo até
contribuído para a queda de dois padres jesuítas, contestadas por nota
oficial do Vaticano na sexta-feira. Outros o defenderam, atestando que
ele ajudou como pôde, inclusive apelando ao ditador Videla em favor de
presos e perseguidos. Gabriel Mariotto, vice-governador de Buenos Aires,
muito próximo de Cristina, exagerou: "É um papa peronista, com grande
militância em favor dos mais pobres e do Terceiro Mundo". Mas Cristina
também estará na sagração em Roma, em lugar destacado, chefiando
comitiva que incluiu deputados da oposição.
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