A partir da análise minuciosa de estudos
científicos feitos nos últimos 20 anos, Sociedade Brasileira de
Cardiologia elabora diretriz para médicos e nutricionistas com dados
atuais sobre consumo de gorduras e as doenças cardíacas
Carolina Cotta
Estado de Minas: 17/03/2013
Manteiga, bacon, chocolate. Os provavelmente
alimentos mais apreciados pela população são certamente grandes vilões
do coração. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) alertam que as
doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo,
responsável por 30% dos casos também no Brasil. A base para tais eventos
está na aterosclerose, processo de formação de placas nos vasos
sanguíneos que pode levar ao infarto do miocárdio e aos acidente
vasculares encefálicos, estando intimamente associados a fatores de
risco como hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, diminuição do
HDL-c, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e obesidade.
A
prevenção dos eventos cardiovasculares tem, nas últimas décadas, se
concentrado no controle rigoroso dos fatores de risco. Para ajudar
médicos e outros profissionais de saúde, a Sociedade Brasileira de
Cardiologia (SBC) está difundindo um documento recentemente elaborado
para a orientação dos pacientes. A 1ª Diretriz sobre o consumo de
gorduras e saúde cardiovascular foi elaborado a partir de uma análise
minuciosa de uma centena de estudos nacionais e internacionais
publicados nos últimos 20 anos. Trata-se da mais ampla cartilha já feita
sobre a associação entre o consumo de gorduras e as doenças
cardiovasculares.
A finalidade da publicação é rever as
evidências científicas dos principais efeitos dos diferentes tipos de
ácidos graxos sobre fatores de risco cardiovascular, o processo
aterosclerótico e eventos clínicos. O grupo de profissionais envolvidos
cuidou também para que fossem revistas as fontes principais dos
diferentes ácidos graxos nos alimentos no Brasil. Assim,
estabeleceram-se graus de recomendação e níveis de evidência para
diferentes estratégias e padrões dietéticos que se relacionem com o
risco cardiovascular. O próximo passo agora é difundir esse conhecimento
entre profissionais de saúde e a população em geral, visando reduzir os
problemas cardiovasculares.
Segundo o cardiologista Hermes
Xavier, presidente do Departamento de Aterosclerose da Sociedade
Brasileira de Cardiologia e um dos coordenadores da diretriz, que
envolveu 31 profissionais, entre endocrinologistas, cardiologistas e
nutricionistas, o trabalho de mais de um ano e meio de estudo e
discussão vai ajudar na orientação sobre o consumo de gorduras. “Há uma
quantidade enorme de informação disponível, mas são dados muitas vezes
desencontrados. Nossa ideia foi estabelecer orientações básicas para
esses profissionais. Nosso papel é contribuir com o dia a dia desses
especialistas responsáveis por alertar seus pacientes.”
BEM E MAL
É importante que a população diferencie, por exemplo, as gorduras do
bem e do mal. São várias as fontes de gordura, sendo a saturada,
encontrada na carne animal, no leite, queijos e cacau, a grande vilã. Já
outras gorduras têm função importante no organismo, pois ajudam na
formação de hormônios sexuais, na integridade das membranas celulares,
no armazenamento de vitaminas lipossolúveis. Mesmo essas, quando
consumidas em excesso, atuam de maneira negativa. “Uma das colaborações
da diretriz é mostrar que nem todas as gorduras saturadas têm impacto
negativo. Não há mais a necessidade de evitar seu consumo, como fazíamos
até os anos 1990”, explica o especialista.
A adoção de uma
dieta controlada é essencial para a prevenção dos eventos
cardiovasculares. Isso porque, mesmo com o advento das estatinas,
medicamentos que revolucionaram a prevenção em todo o mundo, 30% das
taxas de colesterol estão relacionadas à alimentação e as 70% às funções
do fígado. “Não é todo paciente que consegue reduzir os índices apenas
com a dieta. Mas é importante que, desde a infância, se coma
adequadamente. Essa pessoa que come certo desde cedo terá mais chances
de ter os níveis de colesterol controlados. Atividade física e estilo de
vida, entretanto, também merecem atenção”, destaca o cardiologista.
Três perguntas para...
Roberta Soares Lara Cssani,
DOUTORA EM INVESTIGAÇÃO BIOMÉDICA E MEMBRO DO NÚCLEO DE NUTRIÇÃO E
SAÚDE CARDIOVASCULAR DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA
A população desconhece os riscos ou insiste em comer errado?
O
percentual de desconhecimento ainda é muito grande. As pessoas até têm
ideia de que bacon é ruim, mas a informação sobre os reais riscos ainda
precisa se trabalhada. As pessoas não conhecem, por exemplo, a diferença
entre manteiga e creme vegetal. Para elas, o que se passa no pão é a
mesma coisa. Não sabem que um requeijão pode ter até mais gordura que um
creme vegetal de boa qualidade.
Estudos sugerem consumo inferior a 10% de ácidos graxos saturados. O que isso representa?
As
dietas são diferentes para cada pessoa. O consumo de gorduras, por
exemplo, depende se a pessoa tem colesterol alto, precisa perder peso.
As gorduras poli-insaturadas tiveram maior abertura nessa diretriz.
Devem ser de 5% a 10% do valor calórico total da dieta.
As estatinas são adotadas como profilaxia. Há como fazer essa prevenção apenas com mudanças na dieta?
A
prevenção é importante para todo mundo. O paciente com LDL alterado,
por exemplo, precisa do medicamento, mas é muito importante que adote
uma mudança alimentar. Mas o que vemos é paciente com LDL inicialmente
alterado, que adota o medicamento, mas continua comendo errado. Com
medicação ou não, a mudança de hábito é fundamental.
Orientações
>>
Não se recomenda coco e óleo de coco para tratamento de
hipercolesterolemia, sendo necessários estudos adicionais para orientar
seu uso nas demais alterações metabólicas.
>> O consumo de
óleo de palma ou de alimentos contendo grande quantidade desse óleo não é
recomendado para indivíduos com dislipidemia ou na prevenção da
dislipidemia e das doenças cardiovasculares.
>> O consumo de chocolate rico em cacau não está relacionado ao aumento do colesterol.
>>
A relação do consumo de manteiga e colesterolemia é controverso; porém,
de for moderado e dentro das recomendações de gordura saturada, poderá
fazer parte da dieta.
>> Recomenda-se consumo controlado de
carne vermelha, miúdos e aves com pele, além da restrição de cortes
gordurosos. Deve-se observar o modo de preparo para minimizar o consumo
de gordura saturada.
>> O consumo de queijo deve ser feito
com cautela, dando preferência a queijos com menor teor de gordura
saturada. O consumidor deve observar nas embalagens
o teor dessa gordura e evitar o consumo irrestrito de queijos brancos.
Fonte: 1ª Diretriz sobre o consumo de gorduras e saúde cardiovascular
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