domingo, 17 de março de 2013

O poder como herança -

Famílias se perpetuam no comando de cidades do interior de Minas, passando de pai para filho o cargo de prefeito. Há casos em que a administração tem o mesmo nome há mais de 30 anos 


Juliana Cipriani
Leonardo Augusto

Estado de Minas: 17/03/2013 


Pedrosa é o sobrenome mais lido nas ruas de Cipotânea. Está na ponte, no posto de saúde, no campo de futebol, na escola e na praça. Está também na boca da população da pequena cidade de 6 mil habitantes na Zona da Mata, a 180 quilômetros de Belo Horizonte. Pertence a uma família que em 2016 vai completar 37 anos no comando do município, em sete mandatos exercidos por avô, neto e dois sobrinhos. O desempenho da dinastia Pedrosa impressiona sobretudo pela idade de Cipotânea, emancipada há apenas 60 anos. Herança bendita ou maldita? Quem decide são seus moradores, e também os de outros municípios espalhados por várias regiões de Minas Gerais que assistem há décadas famílias ocuparem o principal posto do Executivo da cidade: o de prefeito.

Em Cipotânea, os Pedrosa têm lugar na prefeitura desde 1959, quando o patriarca da família, José Dias Pedrosa, foi prefeito pela extinta UDN (ficou até 1962 e, depois, de 1967 a 1970). Em seguida veio Jonathas Pedrosa (1973 a 1988), tio do atual prefeito, e o irmão dele Ely Pereira (2001 a 2004). Com a morte de Ely, a cidade ficou quatro anos com um prefeito de fora da família, e em 2008, Luiz Moreira Pedrosa (PTB) conquistou seu primeiro mandato. “Falam que é o sangue, tem tradição”, diz o prefeito reeleito.

 Apesar de ter entrado tarde para a política, aos 59 anos, Luiz já tinha contato com o universo político desde cedo. “Participava e acompanhava a política do meu tio, ficava em Cipotânea para ajudar, pedir votos”, disse. O prefeito não poupa elogios à família. “Falam em Cipotânea que a gente é convidado para consertar a prefeitura. Não pensava nisso, mas hoje digo com orgulho que sou prefeito e a minha cidade é outra”, diz. E já tem o próximo da fila na lista. “Acho que vai ser o meu irmão Paulo Pedrosa (PTB), porque acho que já contribuí, mas ele só pode em 2016”, afirmou o prefeito, lembrando que a Justiça Eleitoral proíbe parentes dos prefeitos de se candidataram no pleito em que ocupam mandatos.

Tanta confiança, no entanto, pode criar armadilhas. Luiz Moreira Pedrosa assume ter utilizado máquinas agrícolas públicas para sua roça de milho. “Também sou produtor rural. Tenho direito”, argumenta. A denúncia foi entregue por rivais ao Ministério Público estadual. Luiz é acusado também, pelo único vereador de oposição na cidade, João Marques Moreira (PSL), de não realizar licitação para o bar que funciona no estádio da cidade em períodos de campeonato, e de entregar o estabelecimento a aliados políticos. “Nos anos anteriores realmente não houve concorrência, mas este ano vai ter”, promete o prefeito.

Luiz Pedrosa nega ainda participação no esquema montado por motoristas de ônibus municipais, que deveriam ser usados exclusivamente no transporte de alunos da rede de ensino, para cobrar passagem de moradores da zona rural em viagens de ida e retorno da cidade. “Não sabia de nada. Assim que tomei conhecimento mandei um ofício para cada um dizendo: “Se o Ministério Público me acionar, vocês serão responsabilizados’.”

Retorno Em Dionísio, na Região Central do estado, a 250 quilômetros de Cipotânea, a história quase se repete. A diferença é que o herdeiro político é mais novo. Quem vê Frederico Henriques Figueiredo Coura Ferreira (PSDB) assumir pela primeira vez o comando da prefeitura, aos 23 anos, não imagina o caminho que o fez largar a profissão de engenheiro civil, para a qual se formou em dezembro do ano passado, e rumar para a política. Foi praticamente uma questão de revanche familiar. Frederico é a volta por cima dopai,    José Henriques Ferreira, que foi prefeito por três mandatos e foi cassado no último ano deles, em 2007, por ter concedido descontos na conta de água dos moradores nos dois meses anteriores à sua eleição em 2004. “Concorri a pedido do povo e é uma volta por cima. Mostra que meu pai foi cassado porque fez algo pelo povo”, disse.

Além de Frederico e o pai, José Henriques, o novo prefeito de Dionísio conta que o avô Valdivino Ferreira foi vice-prefeito da cidade. Os parentes por parte de mãe dominaram o Legislativo: o avô Eder Coura e o bisavô Joaquim Coura foram presidentes da Câmara Municipal. “Nosso grupo político como um todo tinha 20 anos no poder e o meu pai foi cassado. Foi bom que experimentaram uma coisa diferente e não gostaram”, afirmou, referindo-se ao período que a oposição assumiu o poder (2009–2012). Depois de anos estudando em Belo Horizonte, o filho à casa voltou para ser prefeito.

Mérito A influência do pai também fez Rafael Dotti de Carvalho (PR), 37 anos, chegar pela porta da frente à política na última eleição, em outubro. Ele foi eleito prefeito de Inimutaba, Região Central de Minas, herdando o espólio político do pai, Gilson Carvalho de Sales (DEM). “A influência do meu pai foi muito grande, eu já vinha acompanhando o trabalho dele mesmo antes de virar chefe de gabinete dele, função que exerci por oito anos”, disse Rafael. O ex-prefeito Gilson esteve à frente da prefeitura de 1993 a 1996 e de 2001 a 2008.

O prefeito estreante reconhece que o pai teve um papel muito importante na sua investida política, mas não nega o mérito próprio. “Conheço 90% da população, atendia as demandas e passava as reivindicações para o meu pai. Sou também sou formado em administração e professor estadual, conheço muitos jovens, e de dois anos e meio para cá veio aumentando essa possibilidade de me candidatar, aí me interessei e deu certo”, conta. O pai, de 69 anos, é aposentado, menos na função de dar conselhos ao filho que continuou seu legado.


 Coronelismo esticado no Norte

Luiz Ribeiro

Histórias de famílias que se perpetuam no poder são comuns em todas as regiões de Minas, mas no Norte do estado elas ganham ingredientes extras e às vezes são manchadas de sangue. É o caso de São João da Ponte, de 26 mil habitantes.

Nos últimos 40 anos, a política local foi dominada por descendentes do ex-prefeito Olímpio Campos, morto em 1970, quando estava à frente da prefeitura. “Na verdade, os Campos já mandavam na cidade desde 1947, quando Simão da Costa Campos, pai de Olímpio, assumiu o cargo de prefeito. O Simão Campos era o grande coronel da região. Mesmo quando não estava no exercício do mandato, ele tinha poder do mesmo jeito.

Ele até dizia que nem gostava de ser prefeito, que o bom mesmo era mandar no prefeito”, afirma a professora Cynara Silde Mesquita Veloso, que fez um estudo sobre o poder na cidade durante cinco décadas em uma dissertação de mestrado. Ela escreveu o livro Coronelismo em São João da Ponte – 1946 a 1996.

Morto em 1962, Simão Campos foi sucedido pelo filho Olímpio, eleito para a prefeitura em 1966. Em 1970, ele foi assassinado em cima de um palanque, numa praça, em Montes Claros, durante um comício do então candidato a prefeito Pedro Santos. O curioso é que mesmo não exercendo nenhum cargo eletivo, quem assumiu o mando político no município foi Petrelina Veloso de Aguiar, que era companheira de Olimpio Campos – eles não eram casados oficialmente. Com sua força política, ela conseguiu eleger o filho, Denizar Veloso Santos, prefeito em 1970. Ele exerceu o mandato de 1971 a 1972.

Desde então, os herdeiros do grupo de Olímpio Campos dominaram a prefeitura por sucessivas gestões. Só não conseguiram vitória nas urnas em 1988, mas retornaram em 1992 e se mantiveram no poder até o ano passado. Em 2012, houve nova derrota dos herdeiros, mas o sobrenome Campos não saiu totalmente do poder na cidade. O atual presidente da Câmara Municipal de São João da Ponte é Paulo Simão Campos (PPS), sobrinho-neto do ex-prefeito Olímpio Campos.

“Infelizmente, durante décadas, o poder aqui ficou nas mãos de pessoas das mesmas famílias. São pessoas que ficaram brigando entre si e esqueceram do povo. Isso foi péssimo para a cidade”, avalia Antônio Carlos Lima, de 53 anos, comerciante em São João da Ponte. “A maioria dos votos aqui sempre foi dada na base da troca por um saco de cimento”, afirma. A mesma opinião é manifestada pelo lavrador Denizar Dias Quaresma, de 54. “Os prefeitos que passaram não fizeram nada pelo povo. Acho que eles ganharam eleição sempre por causa da compra de votos”, diz Denizar.

O atual prefeito, Sidnei Gorutuba, foi eleito vice-prefeito no ano passado e assumiu porque o titular, Geraldo Paula da Costa (PPS), depois de derrotar o clã dos "herdeiros" de Olímpio Campos, morreu antes de tomar posse. Sidnei diz que ainda tenta organizar a prefeitura e não perdoa a gestão anterior pelas dificuldades que ele encontrou.

Ele chegou ao ponto de afixar uma faixa na frente da prefeitura com os dizeres: "Paciência. Encontramos mais de R$ 40 milhões de dívidas. Estamos trabalhando para colocar ordem na prefeitura".

Reinado Em Itacambira, no Norte de Minas, há mais de 20 anos o poder está nas mãos do grupo liderado pela família do fazendeiro e ex-prefeito José Edson Ferreira. Ele assumiu a prefeitura em 1988, fez o sucessor em 1992, retornou ao Executivo em 1996, fez novamente o sucessor em 2000, e em 2004 elegeu o filho, Marcelo Leão (PSDB), que se manteve no cargo até 2012. Em outubro foi eleito o servidor público José Francisco Ferreira (PSDB), o Zequinha, do mesmo grupo político.

O curioso em Itacambira é que quando ganhou a prefeitura em 1988, José Edson Ferreira pôs fim ao reinado de outra família na cidade. Durante 30 anos, a política local foi controlada pelo ex-prefeito Geraldo Bicalho, considerado um dos últimos “coronéis” do Norte de Minas, morto no fim da década de 1980. Ele foi prefeito por três gestões, mas mandava na prefeitura também quando não estava na chefia do Executivo.

Itacambira se tornou conhecida nacionalmente por causa de um tiroteio ocorrido durante uma festa na Fazenda Salto, na campanha eleitoral de 1986, que envolveu integrantes da própria família Bicalho, que se desentenderam. Nele, cinco pessoas morreram e nove ficaram feridas.

Renovação

Para o doutor em ciências políticas e professor da PUC Minas Malco Camargos, a influência familiar na política vai além das fronteiras de Minas Gerais. “A política tem uma delegação de pessoas que transferem espólio eleitoral. É mais comum passar para os filhos do que para terceiros”, avalia. Segundo o cientista, o problema dessa prática é que se deixa de ter renovação. “São pessoas novas com práticas velhas”, disse. Camargos afirma que a origem familiar é uma espécie de facilitador para garantir o voto do eleitor. “Ele está acostumado com a relação com aquele parlamentar ou prefeito e diminui o risco, pois já sabe o que esperar”, afirmou.

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