Ônus da exploração do petróleo e do minério na população de cidades que vivem dessas
atividades são tão distintos que desmonta a tese dos que pensam só em dividir o bônus
Daniel Camargos e Marcelo da Fonseca
Estado de Minas: 17/03/2013
A ameaça feita pelos representantes do Rio de
Janeiro e do Espírito Santo de discutir a divisão dos royalties do
minério, como contrapartida a eventuais perdas com as novas regras da
distribuição dos royalties do petróleo aprovadas pelo Congresso e
sancionadas pela presidente Dilma, não leva em conta o impacto sobre a
população exposta aos dois tipos de atividades. Basta observar de perto a
situação de cidades que vivem da exploração das duas riquezas para
constatar diferenças significativas nos danos causados aos moradores.
Enquanto em Macaé, um dos municípios fluminenses que mais arrecada
anualmente com o petróleo, as consequências da extração do combustível
se restringem a problemas ligados ao aumento demográfico – situação
comum na maioria dos grandes centros urbanos do país –, em Congonhas, na
Região Central de Minas, os efeitos negativos são sentidos todos os
dias pela população com os altos índices de poeira que acarretam danos à
saúde dos moradores e a degradação de ruas, estradas e centro
histórico.
Nos últimos 10 anos, as jazidas de minério exploradas
na área urbana de Congonhas geraram aos cofres municipais R$ 243 milhões
por meio dos royalties. Já em Macaé, as plataformas instaladas a pelo
menos 100 quilômetros de distância das praias garantiram de 2003 até o
fim do ano passado, um total de R$ 4,8 bilhões, o que representa 20
vezes o que recebeu a cidade mineira. Se apenas os montantes arrecadados
com as duas atividades fossem divididos igualmente entre os moradores,
os fluminenses, mesmo com uma população quatro vezes maior, teriam o
dobro da renda per capita arrecadada com os royalties.
Em
Congonhas, a pequena Isabela, de 1 ano e 8 meses, só de se aproximar de
um nebulizador começa a chorar. “Ela tem um pouco de trauma, pois desde
recém nascida precisava ficar internada de dois em dois meses por causa
de problemas respiratórios usando o aparelho”, explica a mãe, Débora
Aparecida Lobo. A criança mora no Bairro Pires, o mais prejudicado pela
poeira provocada pelas mineradoras. Quem caminha pelas ruas do bairro
ouve um rosário de queixas. Janaína Ferreira aponta a filha Raíssa, de 4
anos, com alergia e erupções na pele. Marcilei de Oliveira veio de
Barbacena, na Região Central do Estado, há 8 anos para trabalhar como
operador de caminhão em uma mineração e também convive com alergia e
problemas da pele que começaram após a chegada a Congonhas.
De
acordo com a enfermeira do Posto de Saúde do Bairro Pires, Janaíne
Nogueira de Rezende, é comum os moradores apresentarem doenças
respiratórias. “Acontece muito com crianças recém-nascidas, pois o pó do
minério provoca um processo alérgico”, detalha ela. Como medida
preventiva, os agentes de saúde recomendam a retirada de tapetes, o uso
de pano úmido no chão, lavagem das cortinas e troca de roupa de cama.
“Mas nem sempre é possível, pois as casas de muitos moradores são de
chão grosso, que impossibilita passar um pano úmido”, lembra ela.
A
presidente da Associação Comunitária do Bairro Pires, Ivana Celestino
Gomes, reclama também da poluição e pede mais cuidado do poder público.
“Quando a gente passa um pano no chão, sai um lodo preto de poeira”,
lamenta. A fonte de água que abastecia a região foi poluída, em 2009,
por uma operação da Namisa, empresa controlada pela CSN. Desde então,
está em vigor um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) feito pelo
Ministério Público, que obriga a empresa a entregar galões de água
potável diariamente nas casas dos moradores e a abastecer as caixas
d’água com caminhão pipa. Mesmo assim, a avó da pequena Isabela, Maria
Aparecida Alves Lobo, reclama da água suja: “Hoje cedo não teve como
lavar roupa”. Ela se queixa também de que nem sempre a água entregue em
galões é suficiente para beber, cozinhar e dar banho na criança.
O
prefeito de Congonhas, Zelinho (PSDB), que foi secretário de Saúde nas
duas últimas gestões, avalia que o atendimento primário na saúde é bom,
mas que é preciso melhorar o atendimento de alta complexidade. “Não
tenho dúvida de que a mineração prejudica a saúde, mas por outro lado é
importante destacar que a população é dependente da atividade”, alega. A
Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cefem)
destina 2% do lucro líquido do minério de ferro explorado ao município.
Há um projeto no Congresso para alterar a alíquota para 4%, porém, sobre
o lucro bruto. De acordo com Zelinho, a cidade recebe, em média, R$ 3,5
milhões ao mês e se o novo projeto for aprovado o valor pode chegar até
a R$ 8 milhões, o que seria pequeno diante dos impactos.
Ouro Negro Em
Macaé, cidade do Norte fluminense que ganhou o apelido de Capital do
Petróleo – apesar de ficar atrás de Campos dos Goytacases na arrecadação
com os royalties –, as sequelas da exploração estão ligadas ao aumento
demográfico vivido nas duas últimas décadas. Segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desde o início da década
de 1990 até os dias de hoje a população da cidade dobrou, passando de
100.895 habitantes em 1991 para 206.708 em 2010.
A instalação do
complexo industrial da Petrobras e de sedes de empresas estrangeiras
fizeram com que Macaé se tornasse nos últimos anos uma das cidades que
mais ofereceu postos de trabalho no Rio de Janeiro, o que provocou
também o aumento da circulação financeira na região, levando
desenvolvimento para outros setores da economia local. No entanto, o
dinamismo econômico e o aumento do PIB per capita – acima das médias
nacionais e estaduais – não significou melhoria de vida para toda a
população.
Em pesquisa realizada no ano passado com os 25
municípios que mais arrecadam no país com a exploração de petróleo pela
empresa de consultoria Macroplan, problemas na gestão foram apontados
como a explicação pelas situações precárias encontradas em várias
cidades, como o aumento de favelas, na criminalidade e poucos avanços no
serviço prestado em hospitais públicos. O levantamento aponta também
que os problemas ligados à questão ambiental nas cidades ditas
produtoras de petróleo está diretamente relacionado à falta de
planejamento para a ocupação territorial, que ocasiona desmatamentos e
escoamento inadequado dos resíduos.
Congonhas sem ar
Levantamento feito a pedido do Ministério Público mostra que há saturação devido ao pó expelido na exploração de minério
Daniel Camargos e Marcelo da Fonseca
Estudo realizado pela consultoria Ecosoft,
contratada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), verificou a
poluição em Congonhas em diferentes bairros da cidade. O bairro mais
afetado é o Pires, onde a média anual de emissão de material particulado
(poeira) é de 81 microgramas por metro cúbico. O máximo permitido é de
80mg/m³, mas há um limite de 10% de margem de erro, para mais ou menos.
Isso significa que o ar do local está próximo da saturação, de acordo
com a legislação brasileira.
O promotor de defesa das bacias dos
Rios das Velhas e Paraopeba, Carlos Eduardo Ferreira Pinto, explica que o
estudo ajudou o MPMG a mostrar o nexo de causalidade entre as
atividades minerárias e a poluição. O levantamento foi bancado por uma
empresa mineradora, como medida de compensação por danos provocados. “O
próximo passo é fazer uma rede integrada de monitoramento da qualidade
do ar, identificando as fontes poluidoras e punindo as empresas”, afirma
o promotor.
Além de ser vizinho das operações da Vale, da Namisa
e da Ferrous, os moradores do Bairro Pires estão à margem da BR 040,
local que não tem passarela para travessia e que depois de muitos
atropelamentos recebeu um radar. Além da rodovia, com intenso trânsito
de caminhões carregados de minério, a Ferrovia do Aço corta o bairro.
Uma passarela foi construída para a travessia dos pedestres, mas a líder
comunitária Ivana Celestino Gomes cobra do poder público a iluminação
do local. “Virou ponto de tráfico de drogas e de bandidos durante a
noite. Os moradores precisam se arriscar atravessando na linha férrea,
pois fica tudo escuro”, afirma ela. O prefeito Zelinho (PSDB) acredita
que o problema é de simples solução e promete acionar a Cemig.
A
pensionista Maria Antônia Gomes chegou ao bairro há 45 anos e desde
então percebe a piora da poluição. O filho mais velho dela, de 42 anos,
tem grave problema de bronquite e corre risco de ter um pulmão
comprometido. Os netos, de 16 e 11 anos, apresentam sangramento nasal
quase que diariamente. “Tenho rinite e muita dor de cabeça”, acrescenta
Maria.
Os problemas estão presentes em todas as regiões da
cidade. No Centro de Congonhas, a funcionária de uma farmácia, Jaqueline
Modesto, mostra os produtos, muitos deles pretos pelo pó. “Mesmo
fazendo limpeza constante é impossível deixar tudo limpo”, afirma. A
gari Arlete Terezinha varre as ruas da cidade há quatro anos e sabe o
que dá mais trabalho: “O pó preto, de minério”. Por dia, segundo a
prefeitura, são recolhidas sete toneladas de poeira das ruas da cidade.
No
Bairro Praia, próximo ao sopé do Morro do Engenho, última barreira
natural das lavras de minério, Anderson Alves Silva lava o carro
recém-comprado. “Tem que terminar de lavar e colocar na garagem, senão
empoeira tudo de novo”, explica. Enquanto ele lava o veículo, um
caminhão pipa passa molhando a rua, transformando o pó em lama. Bem
próximo ao bairro estão imensas áreas onde são descartados os dejetos da
mineração.
Disputa O Morro do Engenho também é
alvo de polêmica. Depois de muita discussão, os vereadores aprovaram o
Projeto de Lei 27, que delimita os limites de exploração na Serra da
Casa de Pedra, a que pertence o Morro do Engenho. Porém, uma subemenda
incluída no final do ano passado permitiu à Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN) realizar estudos no local, considerado fundamental para
um investimento de R$ 11 bilhões da empresa.
O morro é também
uma importante reserva ambiental com 29 captações de água, que responde
pela metade do abastecimento de Congonhas. De acordo com laudo técnico
do MPMG, o morro é moldura natural do conjunto considerado pela Unesco
Patrimônio Cultural da Humanidade. Caso a face do morro voltada para a
cidade seja explorada, o MPMG pedirá à Unesco que retire o título.
Na
eleição de 2008, a Galvasud S.A., empresa que pertence à CSN (hoje
chamada de CSN/Porto Real), foi a maior financiadora da campanha no
município, com investimento total de R$ 80 mil, contemplando todos os
vereadores que tentaram a reeleição. No pleito do ano passado, a CSN não
fez doações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário