O papa do fim do mundo
A "surpreendente" escolha de Francisco mostra que é inútil tentar adivinhar o resultado de um conclave
A julgar pelo jornal, o Brasil só deve perder em número de teólogos para o Vaticano. Somados os entrevistados, os colunistas e os colaboradores, tivemos a opinião de 47 especialistas sobre a transição na igreja.
Nem nos artigos nem nas reportagens apareceu o nome do então cardeal Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco. Só José Simão, que não entrou na contagem dos textos, acertou ao decretar, bem antes do conclave: "Papa argentino não pode!".
Zebra total? Terceira via? Essas são as explicações preferidas dos vaticanistas, que incensaram os nomes do brasileiro d. Odilo Scherer e do italiano d. Angelo Scola.
A impressão que fica é que tentar adivinhar o resultado de uma eleição única como a do papa é perda de tempo. As especulações sobre os "papáveis" vêm de algumas fontes, sempre as mesmas: os poucos cardeais e seus auxiliares que aceitam falar com jornalistas, em geral, do seu próprio país. As informações podem ser sinceras ou apenas balão de ensaio para testar ou para "queimar" certos candidatos.
Para serem consistentes, as previsões teriam que partir de uma enquete com um número razoável de votantes, o que é impossível num colégio que reúne 115 cardeais, procedentes de todas as partes do mundo.
"[As apostas] são um jogo que nós, jornalistas, precisamos jogar porque é divertido e é o que as pessoas esperam de nós", definiu Sean-Patrick Lovett, diretor da programação em inglês da rádio Vaticano. Antes de a fumaça branca aparecer, ele acertou ao dizer que, "no final do dia, ficaremos surpresos com o homem que aparecer no balcão".
Boa parte das análises tenta prever o futuro a partir do passado. Foi dito que a tradição mostra que, depois de um pontificado curto (Bento 16 ficou apenas oito anos), o escolhido é alguém mais jovem, capaz de permanecer por mais tempo. Errado. Francisco tem 76 anos.
Apostou-se que, surpresos com a renúncia e sem um herdeiro indiscutível de Ratzinger, os cardeais prefeririam um nome consagrado. Errado. O arcebispo de Buenos Aires não era uma liderança, mesmo tendo sido, aparentemente, bem votado no conclave de 2005.
E, sendo alguém de fora da Europa, o escolhido seria de um país africano (o primeiro papa negro) ou do Brasil (o maior país católico do mundo). Errado. Ganhou o da Argentina.
Previu-se que o papa teria que ser capaz de responder aos anseios modernizantes da sociedade. Errado. Bergoglio pode até mostrar-se progressista, mas suas posições sobre casamento gay, aborto e celibato são bem conservadoras.
O problema, para a imprensa, é como preencher o vácuo que antecede a escolha do papa, que desta vez foi um período bastante longo. Da morte de João Paulo 2º até a escolha de Ratzinger, passaram-se 17 dias; agora, a transição demorou um mês.
Sem notícias diárias, sobraram conjecturas, pensatas e infográficos para explicar os rituais e um amontoado de curiosidades (a família de alfaiates que faz as vestimentas do pontíficie, o clérigo brasileiro que quase morreu em um assalto há 40 anos, o conclave que durou três meses em 1800).
As melhores reportagens e artigos publicados foram os que tentaram entender, pela lógica da igreja, o legado de Bento 16 e os desafios que esperam por Francisco.
Provavelmente nunca saberemos o que levou ao consenso obtido na capela Sistina. Quando se imagina que, no mundo da comunicação instantânea e do fim da privacidade, nenhum segredo resiste, está aí uma instituição de 2.000 anos para provar que não é bem assim.
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