DIÁRIO DE PARIS
o mapa da cultura
Sexo + DSK = notícia
O livro da ex-amante, a privacidade e a mídia
Em 2011, como se sabe, o então presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI) foi acusado de estupro por uma camareira de um hotel em Nova York. O escândalo mundial minou sua promissora candidatura à presidência da França pelo Partido Socialista.
Muitas perguntas foram feitas quando o livro saiu. Sobre a qualidade literária. Sobre o lançamento midiático que instrumentalizou DSK. Sobre as fronteiras entre literatura e comércio, jornalismo e sensacionalismo, informação e respeito pela vida privada.
Em meio à tempestade no copo d'água, cada um foi um pouco hipócrita: Iacub e o "Nouvel Obs", que invocam a literatura enquanto sabem que DSK vende; DSK, que apregoa seu desgosto e apela à deontologia; o público, que denuncia nas redes sociais um livro "nojento" sem nem ter lido. Oscilando entre realidade e fantasias, "Belle et Bête" não é nem escandaloso nem genial. Mas o burburinho do lançamento se parece com o cinismo mercantil de nossa época.
CINEMA SINGULAR
Apresentado no Festival de Berlim,"Camille Claudel 1915" é o filme francês mais forte e atípico do momento. Lembramos que a escultora e irmã do escritor Paul Claudel já foi tema de uma cinebiografia com Isabelle Adjani e Gérard Dépardieu uns 20 anos atrás. O diretor Bruno Dumont escolheu mostrar algumas semanas da vida de Camille Claudel no asilo psiquiátrico onde foi erroneamente internada durante longos anos.
Dumont fez o filme num asilo de verdade, com doentes verdadeiros e enfermeiras reais, em meio aos quais Juliette Binoche encarna Camille Claudel. O filme mostra a solidão, o silêncio, o vazio de uma existência entravada. Dumont filma com a mesma atenção, a mesma duração e as mesmas escalas de plano o rosto de Binoche e os dos internos verdadeiros: confronto esclarecedor entre o rosto de uma estrela sem maquiagem e os de figuras monstruosas que acabam ganhando certa beleza pela potência do olhar do autor. Uma experiência cinematográfica singular e fortíssima.
POP MADE IN FRANCE
Os meandros da história do rock ecoam às vezes estranhas coincidências. Enquanto acaba de morrer o cantor mítico do rock francês Daniel Darc, de obediência pós-punk, figura "destroy" do sombrio tecnopop dos anos 80, um de seus filhos estéticos acaba de lançar seu primeiro álbum e de entrar no clube das promessas da canção francesa: o nome é Lescop (esse é também o título de seu disco).
Muito influenciado pela "cold wave", Lescop se situa na encruzilhada de cantores de texto como Murat, Miossec ou Dominique A, e de mitos do rock anglo-saxão como Joy Division, que marcou sua educação musical e sua atitude. Encarna perfeitamente a fusão pós-moderna entre canção francesa tradicional pouco exportável e o pop universal, dois universos que, por muito tempo, foram incomunicáveis entre si e que se aproximaram há uns 30 anos, graças a personalidades como Daniel Darc. O ciclo se fecha.
CINEMA POLÍTICO
Num registro muito diferente de "Camille Claudel 1915", sai esses dias "Notre Monde", documentário de Thomas Lacoste que está no cruzamento do cinema, da política e das ideias. Reunindo cerca de 30 intelectuais de prestígio (Luc Boltanski, Etienne Balibar, Jean-Luc Nancy, Françoise Héritier...), que representam diversas disciplinas e correntes de pensamento, Lacoste os filmou analisando o mau estado de nosso mundo e desenvolvendo propostas para melhorá-lo.
Cada um fala de seu campo de especialização, mas o filme articula todas essas vozes e mostra que a ideologia liberal dominante atualmente destrói todos os setores de nossas sociedades. Isso poderia ser deprimente, mas a associação de todas essas cabeças pensantes e falantes dá esperança e vontade de se mobilizar. O trailer, em francês, pode ser visto em http://bit.ly/notremonde.
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