domingo, 17 de março de 2013

Eleição de Francisco pode corresponder ao figurino da de 1978

folha de são paulo

ANÁLISE
Alguém alheio às disputas internas da burocracia é a melhor receita para que elas prossigam enquanto o Papa se entrega à oração
MARCELO COELHOCOLUNISTA DA FOLHAHá uma ironia na eleição do cardeal Jorge Mario Bergoglio para o pontificado. Ele tinha sido o único rival sério de Joseph Ratzinger no conclave anterior.
Espíritos mal intencionados podem ver agora, na escolha de Bergoglio, um velado arrependimento. Se Bento 16 renuncia ao cargo, por falta de vigor físico e intelectual, coloque-se Bergoglio, de quem se desistira naquela oportunidade. Uma lição?
Aos 76 anos, sem um pulmão, o cardeal argentino não parece ter o físico ideal para enfrentar as tarefas a que aludia Bento 16 em seu discurso de renúncia.
Talvez a eleição de Francisco corresponda ao figurino da que se deu em 1978. Diante das divisões que fizeram de Paulo 6º um personagem "hamletiano", os cardeais optaram naquela época por um santo -Albino Luciani, sorridente, simples, ausente das disputas burocráticas.
É também possível que o conclave tenha se deixado levar pela semelhança física de Bergoglio com Pio 12.
Os olhos amplificados pela lente dos óculos, o queixo oval e forte, o formato da calva lembram muito aquele antecessor seco e místico, talvez santo, mas nem por isso acima de uma séria acusação - a de ter-se omitido diante do horror nazista.
Suspeitas de omissão diante de outro horror, o da ditadura argentina, pesam sobre o novo papa. O momento, entretanto, é de comemoração entre os católicos, e as críticas de alguns compatriotas surgem como minoritárias em meio ao alarido dos sinos e orações.
Um jesuíta, um "outsider", alguém distante das intrigas da Cúria, e ainda mais adotando o nome de Francisco -uma esperança de simplicidade. Assim reagem, com alegria, alguns analistas. "Alguém moralmente acima de qualquer crítica", exulta além disso Gary Macy, professor de história eclesial numa universidade jesuíta da Califórnia.
O problema é que muitas dessas razões podem ser invertidas para explicar a eleição do cardeal Bergoglio.
Ter alguém alheio às disputas internas da burocracia é a melhor receita para que elas prossigam, enquanto o papa se entrega à oração, à pregação e à contemplação mística. O santo pode alhear-se bastante dos que, dedicados a um cotidiano mais terreno, preferem vê-lo pairando acima do teto.
SUSPEITAS COMPLEXAS
A simplicidade imaculada do novo papa se percebe a olho nu. Mas as suspeitas à sua volta são mais complexas.
Se alguém queria livrar a igreja de escândalos recentes, não sei se é uma excelente ideia dar ocasião para se remexer em casos tão sinistros como os da prisão dos padres Orlando Yorio e Francisco Jalics, o da entrega para adoção de uma recém-nascida, filha da prisioneira política Elena de La Cuadra, ou o da concessão do título de doutor honoris causa pela Universidad del Salvador ao mortífero almirante Emilio Massera. Casos nos quais se acusa Bergoglio de ter tido participação.
Quando não se confessa Jesus Cristo, disse o papa em sua primeira homilia, confessa-se "o mundanismo do Diabo". Ou se está com Cristo ou com o demônio, portanto.
Afora o tom ultraconservador dessas palavras, cabe perguntar com quem estava Bergoglio durante as torturas e os desaparecimentos na Argentina.
Quem achava cansativas as denúncias de pedofilia pode esperar sem dúvida por novos tempos na Igreja Católica.

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